quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Kurogane Communication (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 15/04/2006.

Ano: 1998
Diretor: Kenji Kikuchi
Estúdio: APPP
País: Japão
Episódios: 24
Duração: 15 min
Gênero: Aventura / Comédia / Sci-Fi



É um pouco triste quando nos deparamos com obras de extremo potencial que, com o passar do tempo, se transformam em algo genérico e sem personalidade. Kurogane Communication possui duas metades tão distintas em termos de conteúdo e espírito que ficamos a nos perguntar o que pode ter ocorrido no meio do caminho para tamanha discrepância.

Haruka é uma garota aparentemente normal que realiza tarefas comuns do dia-a-dia com alegria e vivacidade. Nada de mais, não fosse Haruka a última garota viva em uma Terra destruída. 30 anos antes, uma grande guerra arrasou com todo o planeta e Haruka não se lembra de nada do que aconteceu à época, exceto por alguns "flashes" rápidos que mostram seus pais sacrificando as próprias vidas para salvá-la.

Haruka é cuidada por 5 robôs muito interessantes e de personalidades bem distintas, as quais são resultado da inteligência artificial especialmente programada para cada um deles. Spike parece um garoto, tanto no visual quanto no comportamento, e é muito ligado a Haruka, enquanto Trigger é um robozinho voador, bom de tiro mas extremamente nervoso, está sempre às turras com Spike. Contrabalançando um pouco a energia em excesso de Spike e Trigger, temos Reeves, um robô fortão e muito delicado que, além de excelente cozinheiro, é responsável pelo conserto dos demais robôs. Cleric é o "guru" do grupo, com um conhecimento praticamente ilimitado e muito expressivo, apesar de sua face conter apenas 2 olhinhos em uma máscara branca. Finalizando o grupo robótico, existe a bela Ângela, imbatível em combates e única que possui um visual humano. Por alguma razão, Ângela não confia em humanos e, por isto, possui um relacionamento distante com Haruka.

Este grupo forma uma "família" pitoresca e bastante unida, apesar dos problemas que sempre aparecem, e a sinceridade do relacionamento entre todos não parece forçada em nenhum momento. É louvável a preocupação dos roteiristas em mostrar de forma plausível como Haruka e os robôs se encontraram, e como a relação entre todos evoluiu com o tempo, pois isto fortalece bastante a empatia do espectador com os personagens e com a história. Merece destaque também a abordagem nada deprimente utilizada na série: apesar da história se passar em um mundo devastado, o ambiente é alegre, o céu está sempre azul e as músicas de fundo não são nada melancólicas. Isto não diminui o impacto da tragédia que ocorreu, muito pelo contrário, pois sabemos que mesmo em um mundo ainda relativamente belo, Haruka não terá mais ninguém com quem dividir tudo isto.


A força de Kurogane Communication, no início, reside no excepcional relacionamento do grupo, mostrando os choques que ocorrem quando a mente lógica dos robôs não entendem a mente emocional de Haruka, e vice-versa. Mesmo as diferenças puramente físicas entre eles gera ótimos momentos, como a incapacidade dos robôs em entender porque a falta de água pode ser fatal para Haruka... afinal, para eles, energia e óleo é tudo o que precisam para continuarem "vivos". E apesar do tom de comédia em alguns momentos, no fundo os robôs trabalham com afinco pelo bem de Haruka com uma grande preocupação em mente: existiria algum outro humano na Terra além da garota? Do contrário, certamente a raça humana se extinguiria com a morte de Haruka, e por esta razão, Cleric e Reeves passam muito tempo procurando por sinais de vida na Terra, em busca de algum parceiro para ela.

O ritmo prossegue bem por algum tempo, com explicações interessantes sobre o passado de Haruka e dos robôs clareando um pouco a história, assim como a presença constante de enormes máquinas assassinas de humanos na cidade, resquícios dos tempos de guerra. Como estas máquinas continuam a ser produzidas sem parar, ficam as dúvidas: quem está fazendo estas máquinas e por que razão, uma vez que o mundo como era conhecido já virou história? Estariam as próprias máquinas tomando o controle da produção por conta própria? Dúvidas e mais dúvidas que mereceriam uma explicação decente...

De repente, literalmente como uma "tsunami", as coisas viram de cabeça para baixo. Spike começa a se comportar como um neném-chorão gritador, Haruka passa a ter atitudes estúpidas e impensadas, coincidências inacreditáveis aparecem em torrentes, sem contar a conversa mole e os diálogos constrangedores. Na realidade, todo mundo parece sofrer um ataque de burrificação fulminante, o que, em contrapartida, parece desencadear uma reação em cadeia de clichês, com direito aos tradicionais vilões com motivações e atitudes estúpidas, e o surgimento de uma arma letal chamada Flyer que dispensa comentários. Em suma, tudo o que, nos primeiros episódios, diferenciava Kurogane Communication das séries comuns some com força total da metade em diante. De uma série original e vibrante, Kurogane Communication passa a ser um anime formulaico.



A pergunta que não quer calar: Kurogane Communication vale a pena? Com ressalvas, a resposta é positiva, mas tudo vai depender da tolerância do espectador com as drásticas mudanças que ocorrem. Talvez se a série inteira fosse apenas mediana, o choque não seria tão grande, mas a excepcional primeira metade da série e o rico universo criado gera uma expectativa grande demais, o que acaba ocasionando a inevitável decepção ao final da jornada de Haruka e seus companheiros.


Marcelo Reis


 

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