Alternativos: Tezuka Osamu no Don Dorakyura
Ano: 1982
Diretor: Masamune Ochiai
Estúdio: Tezuka Productions
País: Japão
Episódios: 8
Duração: 30 min
Gênero: Comédia / Drama / Terror
Mais um entre os vários bons animes exibidos na década de 80 na TV Manchete, naquele que é considerado por muitos como o 1º "boom" de animes em nosso país, Don Drácula é um anime baseado no mangá homônimo do mestre Osamu Tezuka publicado em 1979, e foi produzido e animado por seu próprio estúdio, Tezuka Productions, em 1982. Don Drácula é uma obra com uma grande legião de fãs no Brasil entre aqueles com mais de 30 anos, e é difícil encontrar alguém que não se lembre com emoção do famoso episódio com os filhotes de panda e tigre, ou que não se delicie ao se recordar dos hilários embates entre o Conde Drácula e seu arqui-inimigo, o Prof. Van Helsing.
Neste curto anime de apenas oito episódios (voltaremos a este tópico mais à frente), o Conde Drácula se muda da Transilvânia (Romênia) para o Japão, mais especificamente para Nerima, um dos bairros de Tóquio, buscando fugir dos caçadores de vampiros que assolam a Europa. Acompanhado da filha lindinha Sangria (Chocola, no original japonês) e Igor, seu fiel escudeiro e pau pra toda obra, o Conde Drácula se dá ao luxo de, pasmem, mudar-se de mala, cuia e castelo para terras nipônicas.
Com olhos enormes, pele azulada, caninos à mostra e usando sempre uma bela capa preta e vermelha, o Conde Drácula é vidrado em sangue de mulheres bonitas e gostosas. Usando um infalível detector, seu cabelo que se arrepia de imediato na presença de belas garotas, Drácula sai todas as noites em busca de gostosonas que possam saciar sua sede com seu sangue fresquinho e delicioso, e quase sempre se dá muito mal nestas empreitadas. Nos momentos de "entressafra", ele e sua filha Sangria precisam se virar com "sangue congelado", de procedência desconhecida e nem de longe tão gostoso quanto um sangue fresco, mas enfim...
Para piorar a situação, o supracitado Prof. Van Helsing chega da Holanda com sede de sangue... de vampiro, é claro. Um baixinho nervoso, possesso e com crises homéricas de hérnia (no original era hemorróidas, mas os brasileiros resolveram suavizar a coisa, hehehe...), Van Helsing chega ao Japão carregado de estacas e crucifixos, mostrando que não veio para brincadeiras. Como se isto não bastasse, o pobre Conde ainda precisa fugir desesperadamente de Blonda, uma gordona feia com cara de porco que adorou ter o sangue sugado pelo Conde, e agora não pára de atormentá-lo para que ele repita a experiência... por várias e várias vezes!
Em meio a esta bagunça, a pobre e estudiosa Sangria tenta levar uma vida normal na medida do possível. Como ela e o pai não podem se expor ao sol, ela precisa freqüentar aulas noturnas e dar um jeito para estudar em casa, mesmo que o possesso pai não seja lá de grande ajuda neste aspecto. Ainda bem que Igor está lá para ajudar. Corcunda, usando um tapa-olho e muito, muito feio, Igor tem um coração do tamanho do mundo, e sua ajuda e presteza são fundamentais para tirar Drácula e Sangria dos mais variados apertos, ainda que seja obrigado a passar por micos inacreditáveis neste processo.
Don Drácula foi uma grande sacada de Osamu Tezuka, que resolveu criar uma obra de comédia pastelão que não perdoasse nenhum dos clichês e chavões comuns a todas as histórias de vampiros. Apesar do clima bastante sombrio e da chuva sempre presente, Don Drácula é um anime alto astral na maior parte do tempo, que tenta mostrar o lado humano existente por trás da mística que envolve todo o universo dos vampiros. Drácula não é um cara mau, apesar de ser um vampiro, e tudo o que quer é criar a sua filha da melhor forma possível, nem que para isto precise morder alguns pescocinhos inocentes para aliviar a tensão. Ele tem medo de morrer, se sente velho, discute sem parar com Sangria (a qual, apesar de lindinha e pé-no-chão, tem um gênio fortíssimo), prepara colas para ajudá-la nas provas... ou seja, faz tudo o que qualquer pai preocupado e de bom coração faria pelo bem da adorável filha.
Para enriquecer o lado comédia, Don Drácula é um dos animes que melhor utilizaram o recurso da animação SD, quase um precursor das loucuras visuais que se tornariam a cara da J.C. Staff, por exemplo. As expressões faciais de Drácula são inacreditáveis de tão engraçadas, assim como as caras de horror de Van Helsing durante seus dolorosos ataques de hemorr... erm... hérnia. E mesmo nos momentos em que o SD não é usado, há motivos de sobra para rir de chorar ao longo de todo o anime: Drácula dançando na discoteca, seu encontro com a Ex-Miss Beleza do Japão, os apertos de Van Helsing dentro do caixão de Drácula, e por aí vai.
Em nosso país, Don Drácula ainda foi beneficiado pelo excepcional trabalho de dublagem do falecido Paulo Pinheiro (Bumblebee em "Transformers", Trapaleão em "Trapaleão"), como o personagem principal. Confesso que sou um daqueles caras chatos que fazem o impossível para assistir aos animes com o áudio original em japonês, mas Don Drácula é um belo exemplo de uma obra que se beneficiou muito ao ser dublada em nosso idioma, não apenas pela atuação inspirada de Paulo Pinheiro, com seus gritos e ataques histéricos mas, ainda, por algumas tiradinhas inspiradas que, provavelmente, não teriam a mesma graça se fossem proferidas em japonês. Como segurar o riso ao ouvir Drácula dizendo para Sangria que "sua sopinha de sangue está coagulando", ou quando ele diz em determinado episódio que uma senhora de certa idade está "mais enrugada do que um maracujá"? É uma pena que a mixagem da dublagem brasileira não tenha acompanhado o nível de qualidade do trabalho dos dubladores, pois praticamente todos os diálogos, sons de fundo e músicas saem exatamente com a mesma altura, e por vezes se torna um verdadeiro parto tentar entender o que é dito com toda aquela zoeira.
Apesar da temática infantil, Don Drácula acha espaço para criticar o comportamento dos japoneses perante aqueles que são diferentes ou que vêm de outros países, e até mesmo em relação a animais teoricamente perigosos, além de mostrar cenas com mortes e presença de espíritos malignos. É esta outra faceta do anime, com alguns momentos mais assustadores e tristes, que podem impressionar um pouco mais as crianças mais novas.
Talvez por estas e outras razões, Don Dracula foi um tremendo fracasso no Japão, e apesar de ser uma série programada para ter 26 episódios, viu apenas 8 destes episódios serem produzidos, em função da falência da agência que cuidava da publicidade da série. No Japão, apenas 4 destes episódios foram exibidos à época, exceto em algumas área da zona rural japonesa, nas quais os oito episódios chegaram a ser exibidos. O público japonês em geral só teve acesso à série completa vários anos depois, quando os 8 episódios foram lançados em DVD. Neste caso, países como o Brasil, a Itália e a Espanha ficaram em vantagem, pois os oito episódios foram exibidos na íntegra nestes locais. Não é à toa que o maior número de fãs da série acabou se concentrando justamente nestes países.
Apesar de tantos elogios, Don Drácula possui sérios defeitos que impedem o anime de alcançar o status de obra-prima. Para começar, toda esta confusão referente à falência de empresas e à baixa audiência deve ter afetado sobremaneira o clima de trabalho, pois o ritmo da série é bem errático, indo de momentos inspiradíssimos para outros que simplesmente não funcionam nem como comédia, nem como drama. O morcego Yasubei, que funciona como narrador da história, também é um ítem dispensável, pois comenta apenas o óbvio ululante, e exceto pelo fato de ser bonitinho e agradável às crianças, é um personagem cuja presença geralmente quebra o ritmo do anime de maneira muito negativa. E não deixa de ser estranho um anime que prega a tolerância tratar a personagem Blonda de maneira tão preconceituosa, principalmente por mostrar em um dos episódios como ela era em seu passado. Desta maneira, o anime acaba passando a idéia de que pessoas gordas são invariavelmente feias e idiotas, uma mensagem nada edificante a ser ensinada às crianças.
Picuinhas à parte, Don Dracula é um anime que, apesar dos problemas supracitados, envelheceu muito bem e é garantia de muita diversão para jovens e adultos. Mas cuidado com o episódio do tigre e do panda... este realmente é de partir o coração.
Marcelo Reis
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