quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Fantastic Children (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 15/06/2006.

Ano: 2004
Diretor: Takashi Nakamura
Estúdio: Nippon Animation
País: Japão
Episódios: 26
Duração: 24 min
Gênero: Aventura / Fantasia / Sci-Fi



Existem profissionais da indústria de animes cujos nomes já se tornaram verdadeiras lendas do ramo, como Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Satoshi Kon, Katsuhiro Otomo, entre tantos outros. Por outro lado, alguns profissionais tarimbados e com muita coisa boa no currículo acabam não sendo tão conhecidos entre o grande público, como Akitaroh Daichi (Fruits Basket, Jubei-chan) e Mahiro Maeda (Blue Submarine no6, Gankutsuou), apesar de contarem com uma grande legião de fãs entre os mais antenados. Takashi Nakamura se enquadra nesta última classificação, não tendo ainda um nome tão forte como os dos grandes ícones, mesmo tendo participação fundamental em animes importantíssimos: apenas para citar alguns exemplos, foi chefe de animação e responsável pela arte de fundo em "Akira", desenhista de personagens em "A Chinese Ghost Story" e diretor de obras como "Peter Pan no Bouken", muito conhecida no Brasil quando exibida no SBT, além do belíssimo "A Tree of Palme".

Mesmo tendo participado de tantos animes importantes, "Fantastic Children" parece ter sido o projeto da vida de Takashi Nakamura. Além de ter criado a história original e o roteiro da série, este último ao lado de Hideki Mitsui (Sol Bianca: The Legacy), Takashi Nakamura foi ainda o responsável pelo desenho de personagens e pela direção. Poderíamos, talvez, comparar este anime aos projetos pessoais do genial Makoto Shinkai (Hoshi no Koe, Beyond the Clouds), com a diferença que Takashi Nakamura possui mais cacife na indústria e, por esta razão, conseguiu que sua história fosse animada pelo tradicional estúdio Nippon Animation, não por acaso o mesmo do clássico "Peter Pan no Bouken", e exibida pela poderosa TV Tokyo.

Uma pena que este anime não tenha sido muito divulgado, mesmo dentro do Japão. Sem risco de parecer exagerado, posso dizer que Fantastic Children é um dos poucos animes realmente imperdíveis criados no início deste Terceiro Milênio, com uma história ao mesmo tempo complexa e apaixonante, abrangendo e mesclando temas espirituais e científicos de uma forma invejável sem nunca perder o foco nem o ritmo narrativo, além de propiciar um dos finais mais belos já colocados em uma animação, japonesa ou não.

Este é um anime difícil de ser analisado, já que qualquer comentário errado pode estragar completamente a surpresa de descobrir o que realmente se esconde por trás da história destas "Crianças Fantásticas". Em um intervalo de 500 anos, foram realizados 13 registros de renascimento após a morte. Consideradas "monstros", "vampiros da morte" ou "mortos-vivos", estas crianças voltam dos túmulos a cada 10 anos, tentam se inserir em uma família, ajudando a todos com a intenção de se tornarem membros verdadeiros da família escolhida. Estas crianças foram acidentalmente registradas em uma fotografia: jovens com não mais que 11 anos de idade, expressões sérias, cabelos brancos e totalmente vestidos de preto. Quem seriam estas crianças, por que desaparecem do mundo após um certo tempo e, mais importante, por que sempre voltam do mundo dos mortos 10 anos após desaparecerem?

Começando na Holanda em 1853, passando pela Suécia em 1901 e continuando em um arquipélago do Sudeste Asiático em 2012, a história de Fantastic Children começa em um ritmo lento, com muitas informações sendo gradativamente adicionadas de forma aparentemente desconexa, muitos "flashbacks" pintando aqui e acolá, e é certo que, durante esta fase, o espectador ficará com mais e mais dúvidas se acumulando na mente. Por que as crianças possuem um senso de união tão forte? O que buscam na realidade estes jovens, e por que esta busca se tornou uma verdadeira missão para o grupo? Quem é Duma, garoto poderoso que fôra separado do grupo original e que quer a ajuda dos demais jovens para um determinado projeto? Quem é Tina, ou Seraphine, pintora relacionada de alguma forma com as crianças? Por que eles ficam tão sentidos com sua morte? E estas perguntas aparecem em um momento no qual a verdadeira história de Fantastic Children sequer começou a ser desvendada para valer.


Um consolo para quem possa estar preocupado: apesar da complexidade da história, Fantastic Children é um anime que nunca se torna monótono ou maçante. Podem assistir aos episódios despreocupados pois o roteiro de Takashi Nakamura é não menos que brilhante, e todas (digo TODAS) as dúvidas recebem explicações capazes de convencer ao mais cético dos humanos. E vale também um aviso: preparem-se para uma completa mudança de rumo na história à partir da metade. Claro que não entrarei em detalhes para não estragar a surpresa, mas o já complexo enredo se expande consideravelmente a partir deste momento, as coisas começam a clarear e a narrativa segue em um "crescendo" constante rumo ao magnífico final.

É interessante perceber como os grandes animes sempre começam com um ótimo roteiro aliado a bons personagens, e Fantastic Children não é exceção, a começar pelas crianças do grupo, chamadas também de "Crianças de Béfort", cada uma com uma personalidade única, perfeitamente integrada à sua história de vida. Estas crianças estão sempre em conflito, pois não sabem se devem completar a sua busca ou se deveriam simplesmente aceitar as coisas como estão. Alguns são mais emotivos (Hasumodai), outros mais "pé-no-chão" (Hiisuma), outros tentam equilibrar as coisas (o líder Agi), mas todos têm algo em comum: parecem ser bem mais velhos do que aparentam, como se as experiências acumuladas ao longo de tantas reencarnações voltassem a cada renascimento, praticamente adultos em corpos de crianças.

Fora do grupo de crianças, existem muitos outros personagens de destaque e de vital importância no enredo. Thoma é um garoto que vive com os pais em um templo no Sudeste Asiático, bom de briga e energético mas que não possui amigos, uma vez que não vai à escola, tendo aulas apenas com o pai. Thoma acaba conhecendo uma garota chamada Helga, a qual sempre olha para o infinito com uma expressão vazia e triste, como se estivesse em busca de algo há muito tempo perdido. Helga desenha a mesma paisagem o tempo todo, por sinal o mesmo desenho que causara uma forte impressão nas "Crianças de Béfort" 111 anos antes, ao lado do leito de morte de Seraphine. E aí? Mais perguntas, é claro! Seriam Tina, Seraphine e Helga a mesma pessoa? E por que este desenho constantemente feito por estas 3 mulheres ao longo dos anos retrata algo aparentemente tão importante para as crianças? Qual a razão pela qual o enérgico Thoma às vezes entra em uma espécie de transe? E como outros personagens importantes como Duma ou Gerda Hawksbee se encaixam em toda esta trama envolvendo tantas épocas e locais diferentes?

Deu para entender agora a razão pela qual a resenha de um anime como este é tão difícil de escrever? Um texto sobre algo tão rico e intrincado pode-se tornar algo desconexo, já que juntar tanta informação em um curto texto crítico é algo realmente complicado. Para não correr o risco de me alongar demais e me tornar extremamente repetitivo ou, pior, para que eu não cometa a heresia de contar algo que não devo, gostaria de dizer que Fantastic Children talvez tenha sido o anime com o tema central mais ligado a uma forte mistura de doutrinas espíritas com religiões orientais, com muitos comentários relativos a corpos etéreos, reencarnação, tudo isto auxiliado por explicações científicas altamente convicentes, em que até mesmo a Teoria da Relatividade dá as caras para deixar as coisas ainda mais intrigantes.

Viram que em nenhum momento comentei sobre a parte técnica? O conteúdo de Fantastic Children é tão bom que acabamos nos preocupando menos com a forma pela qual tudo isto nos é apresentado, e olhem que esta é uma série nem um pouco desprezível nos aspectos técnicos. A animação do Nippon Animation é excepcional, mesclando técnicas tradicionais com computação de forma perfeita e sem exageros. O desenho de personagens de Takashi Nakamura às vezes não agrada a todos, pois é uma mistura do traço de Osamu Tezuka com aquele utilizado por Atsushi Ohizumi e Rie Nishino em "Now and Then Here and There", bem simples mas incrivelmente expressivo. E a trilha sonora, meu Deus, o que é aquilo? O tema de abertura, "Voyage", cantado por Inori, possui melodia e letras belíssimas, mas não se compara ao perfeito tema de encerramento cantado por Origa, cantora russa que deu voz aos excelentes temas de abertura de "Ghost in the Shell: Stand-Alone Complex". Um fato interessante a respeito do tema de encerramento, "Mizu no Madoromi": ele esta disponível no anime em dois idiomas, russo e japonês. A versão em japonês é bem melhor, e a emoção passada pela fabulosa voz de Origa arrepia até os mais insensíveis. A trilha sonora instrumental que toca ao longo dos episódios não fica atrás, com destaque para a magnífica versão em violoncelo de "Voyage"... só de lembrar do momento em que esta música toca no anime, me vêm lágrimas aos olhos.

Afinal, a série é perfeita? Infelizmente não, mas por um pouquinho de nada. Alguns defeitos são mínimos, como o exagero na habilidade de luta de Thoma ou algumas pequenas enroladinhas narrativas aqui e ali, mas o que realmente atentou contra a perfeição neste anime foi o personagem Georca. Não posso comentar muito sobre ele sob risco de cometer um "spoiler" do tamanho do Universo, mas é um personagem de importância fundamental na segunda metade do anime, e é muito triste ver que alguém tão importante para o enredo tenha sido retratado de forma tão maniqueísta. Em um anime no qual todos os demais personagens foram muito bem construídos, Georca é uma triste exceção, um personagem formulaico cujas atitudes nunca passam a força que deveriam ter.




Com apenas este "pequeno grande" defeito, Fantastic Children é uma das melhores obras de animação já produzidas no Japão e, desde já, figurinha fácil na minha lista pessoal de animes preferidos. Takashi Nakamura realizou um trabalho simplesmente brilhante, auxiliado por uma equipe igualmente eficiente e que parece ter acreditado desde cedo na força deste projeto tão pessoal. Fantastic Children é um anime que cresce muito na memória com o passar do tempo e obrigatório na lista de qualquer pessoa que goste de algo mais que simples entretenimento.


Marcelo Reis


 

3 comentários:

  1. Oi, só queria dizer que li a resenha de Fantastic Children no Animehaus há muito tempo, lá pelos idos de 2006. Naquela época, graças a essa resenha, fiquei muito curiosa e procurei o anime pra assistir. Até o dia de hoje, Fantastic Children é o anime com o qual mais me identifico, e um dos meus animes favoritos, se não for ele próprio o favorito. Hoje, por um acaso, reencontrei essa resenha. Então decidi escrever esse comentário para agradecê-los pela resenha, sem a qual eu não teria conhecido essa pérola da animação japonesa. Muito obrigada! :)

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    1. Olá, Moon Sky.

      Fiquei muito feliz com o seu comentário, não só por saber que é fã de carteirinha de Fantastic Children mas, também, por saber que a resenha te ajudou a conhecer esta obra fantástica. São mensagens como a sua que nos dão cada vez mais ânimo para continuar resenhando animes, especialmente aquelas pérolas desconhecidas que merecem uma melhor divulgação. :)

      Um grande abraço!

      Marcelo Reis

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    2. Olá, Marcelo.

      Fico feliz que meu comentário tenha alegrado. Sempre tive o Animehaus como referência para resenhas de animes, e espero continuar descobrindo grandes histórias com vocês. ^^ Abraços!

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