quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Gasaraki (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 17/06/2005.

Ano: 1998
Diretor: Ryousuke Takahashi
Estúdio: Sunrise
País: Japão
Episódios: 25
Duração: 25 min
Gênero: Drama / Mecha / Guerra



A década de 90 foi um período de ouro para a Sunrise, não apenas pelo lado financeiro (afinal, a franquia Gundam é uma mina de ouro eterna) mas, principalmente, pelo lado criativo. Vision of Escaflowne e Cowboy Bebop são os principais exemplos deste período realmente inspirado, no qual a mente criativa de Hajime Yatate (pseudônimo da equipe de roteiristas da Sunrise) estava a mil por hora. Apesar de não chegar ao alto nível das séries supracitadas, Gasaraki é um belo exemplo da excelência apresentada, no geral, pelas obras da Sunrise produzidas na década de 90.

No Japão de 2014, Yushiro Gowa é um jovem com condições físicas muito além dos padrões da normalidade. Membro da família Gowa, uma das mais poderosas do Japão e proprietária das Indústrias Gowa, Yushiro é tratado de forma distante pelos irmãos que dirigem a empresa, os quais o consideram apenas um objeto de estudo, uma cobaia que pode aumentar o poder e os lucros dos Gowa. Constantemente submetido a testes extremos, Yushiro é um "kai", algo próximo a um médium, e entra em um tipo de transe em situações extremas ou ao realizar performances do Teatro Noh, mais especificamente a "Dança do Gasara". Nestes momentos de transe, o "kai" adquire a sua identidade como tal, seu coração dispara a taxas absurdas e uma quantidade enorme de energia vai sendo gradativamente produzida.

Para entender a importância de Yushiro nos negócios da família, é preciso comentar sobre os T.A. (Tactical Armors) produzidos pelas Indústrias Gowa. Os T.A. são plataformas de armas para combates terrestres, com múltiplas aplicações. Por se moverem em dois pés, os T.A. podem se locomover com desenvoltura em qualquer tipo de terreno, mas o controle, por motivos óbvios, é muito difícil, e a tecnologia atual torna todo o processo virtualmente impossível. Para resolver o problema, um complexo mecanismo de controle foi praticamente implantado dentro do sistema dos T.A. Este sistema capta as características do piloto: quanto mais capacitada for a pessoa que controla o T.A., melhor será o resultado. Este mecanismo de controle, também conhecido como "Estrutura Muscular Artificial Adaptativa", evolui com o tempo, acompanhando o nível de evolução do próprio piloto.

Yushiro é piloto de um T.A., e suas capacidades mediúnicas e físicas excepcionais o tornam a pessoa perfeita para controlar este tipo de veículo. Membro do batalhão controlado pelo ponderado e racional Capitão Hayakawa, Yushiro e seus companheiros são enviados ao Belgistão, um país relativamente atrasado do Oriente Médio, para verificar o que está acontecendo por lá. Após uma enorme explosão, aparentemente de natureza nuclear, o Belgistão sofre embargo comercial por parte dos EUA e é atacado logo em seguida. Mas qual não é a surpresa dos invasores americanos ao perceberem que mesmo suas armas de última geração são inúteis perante o exército do Belgistão. Teriam eles também dominado a tecnologia dos T.A.? E como isto seria possível para um país tão atrasado e de parcos recursos econômicos?

Perguntas e mais perguntas se tornam uma constante ao longo de toda a série. De onde vem Yushiro? Para onde vai? Quem é ele, na realidade, e por que possui estas características físicas e mentais tão diferenciadas? O que seria o tal "terror" mencionado por uma nova "kai" chamada Miharu em sua enigmática mensagem "Não traga o terror de volta!", transmitida a Yushiro durante uma performance "Noh"? E, finalmente, a grande pergunta: o que é Gasaraki?


Esta é uma série difícil de ser analisada em função da extrema complexidade de seu enredo, bem próximo às tramas engendradas por Chiaki Konaka. Mesmo tendo sido produzida em 1998, Gasaraki possui um tom relativamente profético ao mostrar o ataque ao Belgistão de uma forma muito semelhante à invasão americana no Iraque em 2003, desde a falta de respeito dos americanos às disposições da ONU e às normas diplomáticas que regem as negociações entre os países até o embargo econômico e as manipulações das notícias e informações para enganar e convencer a opinião pública sobre a "necessidade" da guerra. Além disto, Gasaraki toca em um assunto cada vez mais em voga nos dias atuais, relativo ao poder excessivo concentrado nas mãos das indústrias e grandes corporações, as quais possuem mais cacife no jogo político mundial do que os próprios governos.

O interessante é que, apesar desta crítica nada sutil feita aos Estados Unidos, o país que sofre os ataques mais pesados é o próprio Japão, mostrado pelos roteiristas como um país consumista, materialista, egoísta e xenófobo, cuja população tem se esquecido completamente do espírito abnegado que caracterizava seus antepassados. São levantados problemas como a remilitarização do Japão e a dependência japonesa em relação a bens básicos importados como grãos e outros tipos de alimentos, tudo isto em um universo extremamente rico, no qual realismo extremo e misticismo, passado e futuro, vida e morte convivem com harmonia.

Assim como a maioria das produções da Sunrise, Gasaraki é um primor nos aspectos técnicos. Nenhuma novidade em se tratando de uma produção que conta com grandes nomes como Shukou Murase (Gundam Wing, Witch Hunter Robin) no desenho de personagens, Yutaka Izubuchi (RahXephon, Gundam, Patlabor) e Shinji Aramaki (Appleseed 2, Bubblegum Crisis) no desenho mecânico e Ryousuke Takahashi (Hi no Tori, Armored Troopers Votoms) na direção geral. A animação é incrível, principalmente levando-se em conta o uso mínimo de CGI, em especial nos violentos combates terrestres, onde cada batalha é mostrada com incrível riqueza de detalhes.

Merece destaque a atenção dada às explicações técnicas sobre o funcionamento dos T.A., mostrando como a criação de mechas funcionais, no mundo real, seria bem mais complicada do que se imagina. Esta história de produção em série de mechas facilmente controlados por adolescentes, só mesmo em animes, hehehe.

Yushiro é um protagonista por quem a gente torce desde o início pois, apesar de taciturno, não é uma pessoa insuportável. Mesmo após todo o sofrimento que enfrentou ao longo da vida, tem personalidade forte e não fica resmungando pelos cantos sobre a pouca sorte que o acompanha, assim como Miharu, a outra "kai" presente na história. Kazukiyo, o irmão mais velho de Yushiro, é um pouco psicótico e assustador, mesmo sem cair no estereótipo maniqueísta do antagonista perverso ao extremo.

Nem tudo são rosas em Gasaraki. Em um anime tão sério e complexo, ninguém merece a mudança radical presente nos episódios 5 e 6, especialmente o último, com um acúmulo inacreditável de diálogos ridículos e situações mais adequadas a um anime como Geobreeders. A existência da Symbol, empresa rival dos Gowa, é explicada de uma maneira pouco convincente, e as coincidências que sempre têm que aparecer ao longo da narrativa desagradam bastante. E, por mais que os roteiristas tentem nos convencer de que os T.A. são imbatíveis em combates terrestres, não dá para engolir o desempenho para lá de sobrehumano destas máquinas nos capítulos finais, nos quais somos ainda presenteados com técnicas de batalhas ridículas e ilógicas.




Gasaraki é uma série excelente, bem mais realista que a grande maioria dos animes sobre mechas e com uma trama que exige muita atenção e paciência do espectador. Toda a jornada apresentada ao longo dos 26 episódios é instigante, o final não decepciona, mas sobra aquela sensação de que alguma coisa ficou faltando. O roteiro mistura muitas coisas, traz muita informação, mas nem tudo o que aparece é realmente necessário, no final das contas. Apesar de tudo, é um anime que merece ser conferido... afinal, tramas complexas, inteligentes e com situações que nos fazem refletir não aparecem todos os dias.


Marcelo Reis


 

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