Alternativos: Kumo No Mukou, Yakusoku No Basho; The Place Promised in Our Early Days
Ano: 2004
Diretor: Makoto Shinkai
Estúdio: CoMix Wave
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 91 min
Gênero: Drama / Sci-Fi / Romance
Após o surpreendente e estrondoso sucesso de Hoshi no Koe, Makoto Shinkai saiu do completo anonimato para o estrelato em um curtíssimo espaço de tempo, e com toda a razão. Afinal, antes de Hoshi no Koe, quem poderia imaginar que seria possível criar um anime caseiro de altíssima qualidade em um Macintosh sem nenhum recurso especial e, o mais incrível, sem a ajuda de ninguém? Makoto Shinkai acabou se tornando um ídolo para milhares de animadores espalhados ao redor do mundo ao mostrar que com trabalho, talento e dedicação, é possível criar seu próprio espaço no mercado sem depender da "boa vontade" das grandes empresas.
Logicamente, a expectativa por seu segundo trabalho era grande, especialmente sabendo que, desta vez, Makoto Shinkai contaria com um orçamento decente e uma equipe de apoio, tendo em vista que o anime em questão não seria apenas um OVA de 30 minutos como Hoshi no Koe, mas um longa-metragem com quase uma hora e meia de duração. Esta obra, chamada Beyond the Clouds (Kumo no Mukou, Yakusoku no Basho), sofreu vários atrasos na produção, mas finalmente foi exibida em um festival de cinema no Japão no final de 2004, e lançado no mercado de DVD em fevereiro de 2005. E, afinal, valeu a espera? O talento de Shinkai permanece inalterado, ou a mágica de Hoshi no Koe foi apenas um lance de sorte?
Antes, vamos à história. Em um Japão dividido em Norte e Sul após uma longa guerra (como as duas Coréias nos dias de hoje), a ilha conhecida anteriormente como Hokkaido passa a se chamar Ezo e se encontra sob domínio de outro país. Durante a divisão, famílias foram destruídas, amigos foram separados e ambos os lados vivem em constante estado de tensão em função do risco sempre iminente de um novo conflito.
É próximo a esta região turbulenta que vivem os amigos inseparáveis Hiroki Fujisawa e Takuya Shirakawa. Estudantes do ensino médio na cidade de Aomori (norte da ilha de Honshu), Hiroki e Takuya possuem muito em comum mas são particularmente atraídos por duas coisas: a bela colega de classe Sayuri Sawatari, objeto de desejo de ambos, e a misteriosa torre gigante construída ao longo do Estreito Tsugaru, na divisão entre as porções Norte e Sul do Japão. Os dois amigos, fascinados desde cedo por Física e ciências afins, começam a trabalhar em uma fábrica de mísseis teleguiados sob supervisão direta do dono Okabe, o qual, além de fornecer suporte técnico a ambos, ainda lhes vende peças para que possam, com o tempo, montar um pequeno avião chamado Velaciela e visitar a tão almejada torre. Hiroki e Takuya não resistem e contam o plano para a amiga Sayuri, a qual, surpreendentemente, fica encantada com o projeto e demonstra grande interesse em participar da viagem, mesmo sabendo dos riscos envolvidos nesta empreitada. Em um lago próximo à fábrica de mísseis, os três amigos fazem uma promessa de que, um dia, os três visitarão a torre e se encontrarão em algum local além das nuvens.
O tempo passa, a guerra se aproxima, as tensões entre Norte e Sul aumentam. Os sonhos da juventude e a determinação inabalável dos jovens, sempre olhando para o futuro, parecem agora tão distantes. 3 anos se passaram, e uma realidade completamente diferente se apresenta aos amigos, agora seguindo caminhos separados. O que teria causado esta separação, e de que forma a enigmática torre poderia estar ligada a todos estes contratempos surgidos de uma hora para outra no relacionamento outrora estável vivido por Hiroki, Takuya e Sayuri?
Tecnicamente, pode-se dizer que Beyond the Clouds tem tudo o que havia de melhor em Hoshi no Koe mas em uma escala ainda maior. Makoto Shinkai continua com a mesma extraordinária capacidade para criar objetos e cenários absurdamente detalhados e o mesmo bom gosto na combinação das cores e no uso de luz e sombras, além da preocupação quase insana com os pequenos detalhes de cada cena, como os efeitos do vento nos cabelos e roupas dos personagens ou pequenos relâmpagos que aparecem de forma quase despercebida nas nuvens ao fundo. Chama atenção em especial um cena que mostra Hiroki e Sayuri viajando de trem: o detalhe dos raios de sol deslizando sobre as irregularidades internas do trem são de uma sutileza e beleza igualmente encantadoras, e mostram claramente como cada fotograma foi cuidadosamente planejado e realizado por Makoto Shinkai.
O fato de Makoto Shinkai contar desta vez com uma equipe de apoio bem grande ajudou muito na hora de dar um acabamento mais profissional a Beyond the Clouds. A principal reclamação de quem assistiu a Hoshi no Koe era de que o traço dos personagens, apesar de agradável, era muito amador. Em Beyond the Clouds, o desenho de personagens, assim como a direção de animação, ficou a cargo de Tazawa Ushio (Mindgame), e o resultado final impressiona bastante, com personagens humanos altamente expressivos e com movimentação corporal bem mais realista que em Hoshi no Koe. Apesar de ser um anime envolvendo algumas empresas graúdas como a XEBEC, Beyond the Clouds ainda pode ser considerado um projeto puramente pessoal de Makoto Shinkai. Basta dizer que, apesar da numerosa equipe de apoio, ele participou de praticamente todas as etapas da confecção do anime: criação, roteiro, direção, "storyboards", edição, desenho de cores, direção de som, produção... podem enumerar o que vier à cabeça, pois certamente o nome Makoto Shinkai aparecerá no meio.
Merece destaque especial a maravilhosa trilha sonora composta por Tenmon, uma compilação instrumental de várias músicas girando em torno de um mesmo tema básico, ora mais centradas no piano, ora mais focadas nos intrumentos de corda. Sem apelar para acordes grandiloqüentes, Tenmon conseguiu criar uma trilha arrebatadora que não serve apenas como fundo para as cenas: possui vida própria e brilha mesmo sem o auxílio das imagens.
Agora que todo mundo já sabe que este é um anime excelente do ponto de vista técnico, resta saber se tudo isto funciona a cargo de uma bela história, ou é apenas um amontoado de belas imagens jogadas aleatoriamente na tela. Voltando à questão levantada no início da resenha, tenho prazer em anunciar que Hoshi no Koe não foi apenas um golpe de sorte, e a bela história de Beyond the Clouds vem corroborar estas palavras. Para não entregar muito do enredo, basta dizer que o excelente roteiro de Makoto Shinkai mistura idéias relacionadas a universos paralelos, sonhos que se conectam e precognição de uma forma brilhante, tudo isto intimamente relacionado ao que acontece aos 3 amigos e, naturalmente, à misteriosa torre e à guerra que se anuncia. É verdade que a complexidade do enredo e a maior duração do anime resulta em um ritmo não tão fluido quanto o de Hoshi no Koe, e alguns pequenos detalhes apresentados ao longo da história ficam meio no ar (O que é Uilta? Quem é, afinal a União? Por que a destruição da torre pode colocar um fim à guerra?). Apesar de tudo, o resultado final é excelente.
Com um história inteligente, emocionante e nada piegas, além de ser de uma excelência absoluta nos aspectos técnicos, Beyond the Clouds é um dos grandes animes produzidos no início deste novo milênio, e comprova que Makoto Shinkai não é apenas mais uma entre tantas promessas que nunca decolam para valer. A menos que algo fora do comum estrague seu talento inato, Makoto Shinkai está fadado a se tornar um dos grandes nomes da indústria da animação.
Marcelo Reis
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