terça-feira, fevereiro 12, 2013

Crying Freeman (OVA)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 14/01/2005

Ano: 1988
Diretor: Daisuke Nishio / Johei Matsuura / Nobutaka Nishizawa / Shigeyasu Yamauchi / Takaaki Yamashita
Estúdio: Toei Animation
País: Japão
Episódios: 6
Duração: 52 min
Gênero: Aventura / Drama / Violência



É interessante notar como a vida em geral flui de forma oscilante, estando em um nível equilibrado na maior parte do tempo mas, em alguns momentos, atingindo extremos positivos ou negativos que podem nos pegar totalmente desprevenidos. Antes que alguém pergunte a razão pela qual comecei a resenha com esta frase pseudo-filosófica de quinta categoria, me adianto para clarear um pouco as coisas. Quem está envolvido com o mundo dos animes há muito tempo costuma levar as coisas em "banho-maria", às vezes se empolgando com uma ou outra série mas sabendo que, no geral, a maior parte das produções são apenas medianas. Mas, de vez em quando, forças cósmicas parecem conspirar a favor dos duendes fãs de animes, de modo a tornar todo este universo ainda mais atraente. Até hoje me lembro de um momento especial em minha vida quando assisti, em seqüência, a obras-primas do calibre de Berserk, Now and Then Here and There, Trigun, Rurouni Kenshin OVA e Perfect Blue. Como não achar que "anime é a melhor coisa do mundo" após uma "overdose" de excelentes obras como estas?

Mas as forças cósmicas são espertas. Como um menino travesso que engana o pobre passarinho com uma arapuca, estas forças atraem as pessoas susceptíveis com obras de alto calibre, de modo a convencê-las que todas as coisas relacionadas a animes são perfeitas e "super cool". Qual não é a decepção dos novos fãs ao perceberem que, para cada "Grave of the Fireflies", existem dezenas de bombas como "Nazca" prontas para dissolver alguns neurônios incautos? O que dizer, então, de uma semana particularmente "inesquecível" na qual este humilde escriba teve a infelicidade de assistir, em seqüência, a "Sin the Movie" e "Crying Freeman"? Se minha fé nos animes não fosse tão grande...

Crying Freeman é uma série de 6 OVAs produzida de 1988 a 1993 pela Toei Video e, ao contrário da maioria dos animes, não foi baseada em um mangá mas, sim, em um gekigá. A grosso modo, pode-se dizer que um gekigá é um mangá voltado para o público adulto, com histórias fortes, um trabalho de arte mais próximo à realidade e personagens com traços não caricaturais ou estilizados. O gekigá de Crying Freeman foi criado por duas verdadeiras lendas desta forma de arte. O texto ficou a cargo de Kazuo Koike, responsável pelo seminal Lobo Solitário, enquanto o fantástico trabalho de arte repousou nas mãos hábeis de Ryoichi Ikegami, cujo trabalho pode ser conferido no Brasil na obra "Mai - A Garota Sensitiva", lançada há alguns anos pela Editora Abril. Não tive a chance de ler o gekigá de Crying Freeman, mas os comentários em geral são sempre muito positivos. Por esta razão, é bem provável que o fracasso absoluto de Crying Freeman no formato anime esteja relacionado a uma péssima adaptação na hora de criar um roteiro para os OVAs.

Na realidade, o primeiro OVA passa uma impressão completamente diferente da série. Emo Hino é uma pintora de 29 anos, ainda virgem e que deve morrer antes de chegar aos 30. Emo sente que alguém a matará em breve, pois presenciou um assassinato à luz do dia e viu perfeitamente o rosto do responsável pelo crime. Mais do que a crueza do assassinato, o que mais impressionou Emo foi a reação do assassino após o crime: com o semblante triste, ele derrama lágrimas silenciosas e belas. Quem seria este homem bonito e enigmático, fluente nos idiomas japonês e chinês e que, provavelmente, colocará um fim à breve vida da bela Emo?


Tudo isto e muito mais é mostrado de uma forma envolvente e violentíssima dentro do OVA 1. Tudo funciona de maneira perfeita para prender a atenção do espectador, desde a animação tradicional de excelente qualidade até o trabalho de arte, bem fiel ao traço original de Ryoichi Ikegami. Sem negar as raízes adultas do gekigá, o anime não se furta a mostrar as mortes com uma riqueza impressionante de detalhes, um visual capaz de chocar mesmo aqueles mais acostumados a obras sangrentas. Algumas cenas de sexo não explícito, feitas com extremo bom gosto, e as explicações sobre o passado do assassino, cujo nome é Yoh Hinomura mas que é conhecido no submundo como Crying Freeman, dão ao primeiro OVA aquele tempero especial suficiente para diferenciá-lo da maior parte dos animes medianos.

Do segundo OVA em diante a qualidade despenca ladeira abaixo. Ainda aparecem coisas bacanas como a idéia geral relacionada à Máfia Chinesa para a qual Freeman trabalha, conhecida como Hyaku Hachi Ryu (108 Dragões), e o significado das tatuagens presentes nos corpos de alguns personagens, Freeman incluso. Algumas cenas de violência explícita pipocam aqui e ali, certos personagens ambígüos mantém a tensão em alta, e a curiosidade para ver onde tudo vai dar permanece, ainda que sem muita força... e eis que surge Bayasan...

Pausa para respirar um pouco, pois o golpe foi duro! Ainda no final do primeiro OVA, uma cena mostrando uma mulher da máfia armada até os dentes e com os peitos de fora já serve de mau presságio, mas a chegada de Bayasan supera qualquer expectativa negativa. Aliás, pior que a presença de Bayasan em cena é a sua terrível dublagem, algo tão ruim que só consegue ser suplantado por outra cena protagonizada pela mesma Bayasan. Imaginem uma pessoa de quase 3 metros de altura e pesando uns 500 quilos (não é exagero!) correndo de roupa para, de repente, aparecer 100% pelada na cena seguinte sem motivo algum! Que tal completarmos o cenário de horror com um vilão chamado Don Carleone (sim, é Carleone mesmo, e não Corleone), personagens que só sabem lutar pela própria sobrevivência completamente nus, ou mesmo a antológica entrada em cena da personagem Tania, algo tão ridículo que nem mesmo Bayasan conseguiria fazer pior?

Acham pouco? Bem, é claro que a esta altura o fiapinho de roteiro já foi para as cucuias há tempos: o ritmo é truncado em alguns momentos, aceleradíssimo em outros, a lógica no comportamento dos personagens é algo inexistente e, para completar, o dramalhão completo se torna a regra geral da história. Junte a isto um OVA 4 com animação no nível dos antigos desenhos do Homem de Ferro e do Hulk... sim, aqueles repletos de cenas paradas e onomatopéias gigantes na tela, e complete com uma seqüência de diálogos feitos através de fotos que... meu Deus!

Como desgraça pouca é bobagem, a cerejinha para cobrir este bolo intragável ficou para o final. É condenável a decisão de criar um anime tão sexista e machista quanto Crying Freeman, no qual o homem pode transar a todo o momento com quantas mulheres quiser, mas sua esposa tem que ser fiel até o fim e, pior, aceitar a situação e ainda achar bom! O que se poderia esperar de um anime cuja frase mais profunda é "No mundo, há apenas pessoas que matam e aquelas que são mortas..."?



Diz a sabedoria popular que, se conselho fosse bom, ninguém dava de graça, mas eu não resisto. Meu conselho de amigo é: se puderem, não assistam a esta série terrível. Se a curiosidade for muito, mas muito grande mesmo, assistam apenas ao primeiro OVA, este, sim, digno de honrar os nomes de Kazuo Koike e Ryoichi Ikegami. Como sei que a curiosidade humana é infinita e que a maioria das pessoas ignorarão este conselho valioso, só tenho algo a dizer: boa sorte com os pesadelos, pois o espírito de Bayasan transformará suas noites em um inferno, e nem as forças cósmicas poderão ajudá-lo.


Marcelo Reis


Um comentário:

  1. "...é bem provável que o fracasso absoluto de Crying Freeman no formato anime esteja relacionado a uma péssima adaptação na hora de criar um roteiro para os OVAs."

    Creio que as essa altura do campeonato já tenhas lido o mangá. Caso não, lamento informar que o OVA adapta muito bem o mangá, o problema é que, excetuando os dois primeiros volumes que são a base para o primeiro OVA bem como para o live action estrelado por Mark Dacascos, o mangá é HORRÍVEL MESMO! O roteiro é imbecil, os personagens não conseguem ficar de roupa por mais de 2 páginas, as situações e os diálogos são absurdos. Soa como se um moleque de 12 anos dissesse "Vou fazer um mangá adultão! Vai ter gente pelada e violência! Fai ser foda!" e escrever Crying Freeman. Até hoje só tenho os 2 primeiros volumes lançados pela Nova Sampa na mesma época de May a Garota Sensitiva e é tudo que preciso ter. Li os outros volumes que saíram pela Panini mas me desfiz pra esquecer o trauma. Que coisa horrenda...

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