quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Fullmetal Alchemist (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/04/2005.

Alternativos: Hagane No Renkinjutsushi, Hagaren
Ano: 2003
Diretor: Seiji Mizushima
Estúdio: BONES
País: Japão
Episódios: 51
Duração: 24 min
Gênero: Aventura / Comédia / Drama



Confesso a vocês que fico muito preocupado quando surge um anime considerado por crítica e público como "o Top dos Tops", pois isto sempre é garantia de duas coisas. Primeiro, que uma quantidade enorme de pessoas pedirão com insistência por uma "review" deste anime (o que, diga-se de passagem, não é nenhum problema, hehehe). A segunda coisa, esta, sim, bastante complicada, é que as chances da "review" resultante se tornar objeto de intensa polêmica, brigas homéricas e ameaças de morte é de praticamente 100%.

O que dizer, então, quando a "review" em questão diz respeito a uma série como Full Metal Alchemist, vencedora de vários prêmios no Japão como melhor série animada para a TV no ano de 2004 e possuidora de uma legião de fãs ardorosos como não se via desde o surgimento de outro marco da animação, Neon Genesis Evangelion? Mesmo sabendo que os responsáveis por esta série eram os profissionais do fantástico BONES, meu estúdio preferido ao lado do Ghibli, não vou negar que a responsabilidade em assinar esta crítica pesou antes mesmo que eu escrevesse as primeiras palavras. Após assistir aos 51 episódios deste cultuado anime, só tenho uma coisa a dizer: leiam a "review", seus curiosos, pois não vou entregar o ouro antes de chegar ao final do texto, hehehe!

Baseado no mangá de estréia de Hiromu Arakawa e produzida pela poderosa "softhouse" Square-Enix (Final Fantasy, Dragon Quest), Full Metal Alchemist conta a história dos jovens irmãos alquimistas Edward e Alphonse Elric, moradores da vila de Rizenbul. A alquimia é uma ciência na qual se compreende a estrutura da matéria para que se possa, então, quebrá-la e reconstruí-la. No entanto, por se tratar de uma ciência, a alquimia também é regida pelas leis da natureza: cria-se algo com determinada massa apenas a partir de outro objeto com massa semelhante (princípio da troca equivalente), utilizando-se, para isto, de um círculo de transmutação. Não se pode criar algo do nada, é preciso que alguma outra coisa seja sacrificada neste processo.

Além da lei da equivalência, a alquimia possui dois grandes tabus que não devem, de forma alguma, ser violados: é proibido transformar qualquer metal em ouro e, o tabu dos tabus, não se deve tentar, em hipótese alguma, a transmutação humana... em outras palavras, tentar criar um corpo humano para recuperar a alma de alguma pessoa já falecida. E toda a saga dos jovens irmãos começa justamente por causa de um erro básico de ambos. Sem pensar nas conseqüências, Edward e Alphonse tentam realizar uma transmutação humana para trazer a mãe falecida de volta do mundo dos mortos. O experimento, uma das seqüências mais arrepiantes já vistas em um anime, se transforma em um completo fracasso e, para completar, ainda cobra um preço altíssimo dos dois irmãos. Edward perde uma perna, e Alphonse, todo o corpo. No desespero para salvar seu irmão mais novo do desaparecimento completo, Edward fixa a alma de Alphonse com seu próprio sangue em uma armadura que estava próxima. O preço a pagar? Seu próprio braço direito.

Edward passa a utilizar próteses mecânicas conhecidas como "auto-mails", ligadas diretamente ao sistema nervoso do usuário, enquanto Alphonse se tranforma em um ser humano sem corpo, uma armadura ambulante e falante mas sem nenhum conteúdo palpável. Mesmo deprimidos com todo o ocorrido e marcados de forma indelével pelo horror da situação vivenciada, os irmãos Elric decidem que tentarão recuperar o que perderam e, para isto, saem pelo mundo em busca da lendária Pedra Filosofal. De acordo com as histórias que correm de boca em boca, a Pedra Filosofal permitiria ao usuário a realização de qualquer tipo de transmutação sem a necessidade de respeitar o princípio da troca equivalente. Se conseguirem colocar as mãos na Pedra, objeto cuja existência é colocada em dúvida por muitos especialistas, talvez Edward e Alphonse possam recuperar, respectivamente, os membros e o corpo perdidos.

A história de FMA é narrada de forma relativamente não-linear, começando no tempo presente, quando somos informados que Edward Elric é considerado uma verdadeira lenda, um gênio que se transformou no mais jovem Alquimista do Estado de toda a história. Mesmo sabendo que os militares, especialmente os alquimistas, não são bem vistos pela população em função de verdadeiros massacres ocorridos no passado, Edward decide se tranformar, de acordo com suas próprias palavras, em "um cão dos militares", pois esta é a única forma para que ele tenha acesso a dados confidenciais relacionados à alquimia como um todo e, logicamente, à transmutação humana. A narrativa faz alguns "flashbacks" para mostrar um pouco do passado dos dois irmãos, os fatos que levaram o pai, um eminente Alquimista do Estado, a abandonar a família por anos, assim como os eventos que culminaram na morte da mãe e na malfadada tentativa de realizar uma transmutação humana.


Muitos devem se lembrar do que comentei na "review" sobre Nadesico, quando disse que era difícil classificá-lo como "anime cômico com toques de seriedade" ou "anime sério com toques de comédia". Com FMA acontece a mesma coisa mas em um nível ainda mais elevado. O anime não se prende a um tipo de clima em nenhum instante, podendo pular da comédia pastelão para o drama pesadíssimo, e vice-versa, em questão de segundos, e cumpre admiravelmente sua função de divertir, emocionar e entreter em todos os momentos. É impossível segurar o riso nos ataques de ódio de Edward quando é chamado de "baixinho" ou nas caras de bunda da armadura de Alphonse quando se encontra em alguma situação apertada, assim como controlar a emoção quando alguns eventos chocantes aparecem de supetão. É de se admirar que um anime "shounen", ou seja, voltado para o público masculino jovem, e exibido em horário nobre possua tantas seqüências de impacto como FMA, com direito a mortes sangrentas, mutilações detalhadas e seqüências de enorme impacto emocional até mesmo para adultos. O sucesso estrondoso da série mostra que o BONES foi mais do recompensado pela ousadia.

É até difícil enumerar as razões que fazem de FMA um anime tão acima da média. Uma série de 51 episódios que não possui "recaps" e não se torna monótona em momento algum tem que possuir algo de muito especial, a começar pelos personagens. Edward e Alphonse são dois dos protagonistas mais carismáticos que apareceram nas telas nos últimos anos, longe das representações caricatas de jovens tão comuns em animes do gênero, e cativam o público desde a primeira aparição. Edward é o geniozinho nervoso que tenta esconder suas angústias através do riso aberto e do comportamento "alto-astral", enquanto Alphonse é o lado ponderado da dupla, sempre tentando manter a calma para analisar as situações com serenidade... é muito interessante o contraste entre a personalidade tranqüila de Alphonse e o seu gigantesco corpo de metal.

Parece mentira, mas apesar de possuir dezenas de personagens de importância fundamental na trama, FMA não possui um único personagem insuportável. Desde os companheiros de trabalho de Edward como o Tenente-Coronel Roy Mustang (sério, sarcástico, honesto e alquimista imbatível no controle do fogo), o investigador Maes Hughes (fala pelos cotovelos e é apaixonado pela esposa e pela filha recém-nascida) e Alex Louis Armstrong (o rei dos músculos! Só vendo para crer...) até as assustadoras e imortais entidades do mal conhecidas como "Homunculus", cada personagem conquista o coração do espectador de uma forma toda especial. Destaque para Scar, um homem moreno e de olhos castanhos, sobrevivente da tragédia de Ishbar e possuidor de uma enorme tatuagem alquimista no braço direito. Scar é um personagem extremamente complexo: inflexível em suas crenças, mata seus adversários sem piedade e, ainda assim, consegue a proeza de fazer com que o público fique a seu lado.

Méritos, logicamente, da excelente história criada por Hiromu Arakawa, conduzida com mãos de mestre por Seiji Mizushima, que já havia mostrado seu talento em obras como Shaman King e Generator Gawl. Os horrores da guerra, a falta de limites no uso da ciência, os terríveis resultados causados pela ânsia do homem em brincar de Deus, tudo isto é colocado na tela de uma forma profunda e, ao mesmo tempo, didática, permitindo que mesmo crianças mais novas captem a essência do que está sendo narrado na tela. E, por se tratar de um "shounen", não dava para ficar apenas no "papo-cabeça", e FMA não decepciona, com seqüências de luta literalmente de arrebentar, cortesia da sempre arrebatadora animação do estúdio BONES. Junte a tudo isto uma trilha sonora empolgante, com emocionantes temas de fundo orquestrais e ótimas músicas de abertura e encerramento (destaques para "Melissa", primeiro tema de abertura cantado pelo grupo Porno Graffiti, e "Ready Steady Go", segundo tema de abertura cantado pelo cultuado L'Arc en Ciel) e ganhe um anime quase perfeito de presente.

Ah, gente... como eu queria dar uma nota máxima a este anime! Há tempos eu não me via tão empolgado por uma série, talvez desde que que vi Berserk pela primeira vez, e sentia que estava realmente assistindo a algo muito superior às séries normalmente exibidas na TV japonesa. Mas, em se tratando de uma série longa, aumentam-se as chances de que alguns problemas, por menores que sejam, apareçam de uma hora para outra. A primeira metade de FMA é impecável, e o ritmo se mantém quase inalterado até o episódio 39, aproximadamente. A partir deste momento o anime se torna excessivamente "shounen", deixando os temas mais sérios um pouco de lado e focalizando-se excessivamente nas lutas e bravatas, tão comuns neste estilo de anime. A qualidade da animação cai levemente, voltando à excelência do início apenas nos episódios finais.

Mas isto é perdoável. Difícil, mesmo, é engolir a transformação sofrida na personalidade de Alphonse nos episódios finais. Não vou entregar nenhum segredo, mas é duro aceitar que o personagem mais sensato da série se transforme, de uma hora para outra, em um verdadeiro idiota que acredita sempre nas pessoas erradas e toma atitudes que nem mesmo uma ameba lobotomizada aceitaria. Nestas horas eu só conseguia pensar em duas palavras: "Por quê??!!"




Enfim, problemas acontecem! Como foi dito acima, Full Metal Alchemist é uma série que levou o gênero "shounen" a um nível altíssimo, mostrando que um "anime-porrada" pode, sim, ter um enredo muito inteligente. Lembrando, em alguns momentos, o estilo tresloucado-profundo de Trigun, Full Metal Alchemist conseguiu a proeza de desbancar "RahXephon" e se tornar o meu anime preferido do estúdio BONES, e merece todo o sucesso de que vem desfrutando em todo o mundo. Não deixem de assistir!


Marcelo Reis


 

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