sexta-feira, março 01, 2013

Zipang (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 04/10/2008.

Ano: 2004
Diretor: Kazuhiro Furuhashi
Estúdio: Studio DEEN
País: Japão
Episódios: 26
Duração: 25 min
Gênero: Drama / Guerra / Sci-Fi


Kaiji Kawaguchi, autor do mangá que deu origem a este excelente anime produzido pelo Studio DEEN, é um "mangaka" com uma carreira bem peculiar. Sucesso de crítica e também comercial, Kaiji Kawaguchi escreve obras voltadas para um público mais adulto, com temas políticos, militares e sociais altamente relevantes e sempre com uma base realista bem evidente. Suas obras não são sucessos "arrasa-quarteirão" como os mangás de Rumiko Takahashi mas, ainda assim, ele é um dos "mangakas" mais ricos do Japão, além de um dos mais premiados. Basta dizer que ele venceu por três vezes o conceituado "Kodansha Manga Award": em 1987, com "Actor"; em 1990, com "Silent Service"; e em 2002, justamente com "Zipang".

E do que se trata esta obra? Em 2002, a Força de Auto-Defesa Japonesa desenvolveu uma frota de navios de ultima geração, cujos aprimoramentos técnicos incluem o sistema de defesa Aegis. Um dos navios desta frota, "Mirai" (Futuro), conta com o Cap. Saburo Umezu no comando, e como seus três subalternos imediatos, foram designados três antigos colegas que se graduaram juntos 12 anos antes na Escola de Cadetes Navais de Hiroshima: Yousuke Kadomatsu é o Imediato, enquanto Masayuki Kikuchi é o Oficial-de-Armas e Kouhei Oguri, o Oficial de Navegação.

Esta frota seguiria para uma missão de longa duração em alto-mar, apenas em caráter de exercício, mas no 4o dia após a partida, surge uma tempestade violenta e imprevista, acompanhada por uma nuvem diferente de tudo o que já haviam visto até então. Um fortíssimo relâmpago causa alterações eletromagnéticas estranhas ao redor do "Mirai", bagunçando o sistema de navegação do navio e deixando todos os relógios e instrumentos girando como loucos.

Ao final da tormenta, para grande surpresa da tripulação, o navio se vê rodeado por uma enorme armada no Oceano Pacífico, durante a Batalha de Midway. De alguma forma, o "Mirai" e toda a sua tripulação foram transportados 60 anos no passado e caíram no ano de 1942, no calor da IIa Guerra Mundial. Enquanto procuram entender o que houve e tentam encontrar uma forma de se manterem vivos e voltarem para o presente, a tripulação precisa sair dali o quanto antes, uma vez que qualquer ação tomada por eles naquela época poderia alterar completamente o futuro. Sem aviso prévio, todos precisarão colocar em prática o que aprenderam em seus treinamentos mas sabendo que, desta vez, não estão apenas num exercício: a guerra é para valer. Até onde é possível se manter longe da batalha ou se comportar de forma civilizada em meio a um verdadeiro inferno?

A princípio, a batida premissa de viagem no tempo pode dar a impressão de que "Zipang" é uma obra muito derivativa, mas a realidade é bem diferente. Apesar de improvável, a história é narrada de forma sóbria, realista e muito convincente. No fundo, o que realmente importa aqui são os dilemas encontrados por uma tripulação acostumada a tempos de paz que se vê jogada de cabeça num mundo mergulhado numa guerra violenta, no qual um amanhã pacífico parece ser um sonho muito distante.


Impressiona a atenção dada aos detalhes nesta obra. Os uniformes são perfeitamente fiéis àqueles usados pelos verdadeiros marinheiros e soldados japoneses na IIa Guerra Mundial, os procedimentos militares são bem realistas, e cada batalha é retratada exatamente como aconteceu na vida real. É de partir o coração observar a situação dos tripulantes do "Mirai" ao assistirem a estas batalhas de camarote, sabendo que aquelas pessoas vão morrer e que não há nada que possam fazer, sob pena de alterarem sobremaneira o seu próprio futuro. E aqui não tem nada de alívio cômico ou milagres de última hora: a guerra é dura, horrível, e cada morte é sentida de maneira profunda.

"Zipang" também é uma bela aula de história, e tem a notável qualidade de ser muito imparcial, retratando a postura agressiva do Japão perante os seus vizinhos na época da guerra e mostrando a crueldade da "Kempeitai", a temida polícia secreta japonesa. Claro que os americanos não saem como anjinhos, pois sua propaganda de guerra na época retratava os japoneses como animais, verdadeiros monstros não-humanos, de modo a dessensibilizar os soldados na hora de matar em combate. Merece destaque também o fato do anime retratar os soldados como pessoas comuns, e não como aqueles estereótipos super-patrióticos tão comuns em filmes do gênero.

Tecnicamente, "Zipang" é um anime que alterna momentos sublimes com outros bisonhos, nos quais a animação 3D simplesmente não se encaixa de forma adequada com o ambiente 2D. Em alguns momentos há muita repetição de células e animações. O desenho de personagens de Yoshihiko Umakoshi (Marmalade Boy, Berserk) replica fielmente o belo traço de Kawaguchi, com personagens cujas feições marcantes diferem bastante entre si

A parte sonora é um primor. Os temas de abertura e encerramento possuem belas melodias e letras que condizem bem com o espírito do anime, enquanto a imponente trilha sonora instrumental de Toshihiko Sahashi (Gunslinger Girl, Big O, Gundam Seed) se alia aos fantásticos efeitos sonoros para potencializar sobremaneira a força das armas e das batalhas.

Falar muito sobre os personagens poderia entregar um ponto-chave da obra, mas não posso deixar de dizer que a alma do anime realmente reside na estranha mescla de amizade, desconfiança e ódio entre o já citado Yousuke Kadomatsu e um enigmático oficial da Marinha Japonesa chamado Takumi Kusaka. É claro que "Zipang" seria um ótimo anime de qualquer maneira, mas o relacionamento entre estes dois personagens eleva o nível de tensão da obra a um patamar quase insuportável.

Como notas negativas, as famigeradas coincidências e o ritmo muito acelerado rumo ao final, além de um certo anacronismo num episódio que diz respeito ao pai de Yousuke e as já citadas falhas na animação. Mas o grande problema, de longe, é o mesmo que ocorreu em obras como Berserk: a falta de um final. Na verdade, "Zipang" até termina do jeito que era possível, mas como o mangá continua em publicação, foi preciso finalizar a série com um gancho que deixa bem clara a necessidade de uma segunda temporada. Se lembram do final de Big O? Pois é, a sensação é exatamente a mesma.



Mas o que vale aqui é a jornada como um todo. Com personagens tri-dimensionais, inteligentes e convincentes que se vêem em meio a complicados dilemas morais, e com uma ambientação militar extremamente realista, "Zipang" é uma obra de alto nível, madura, complexa e com um excelente ritmo, que não deve ser desprezada apenas pelo componente fantástico da viagem no tempo.


Marcelo Reis


 

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