sexta-feira, março 01, 2013

Windaria (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 26/04/2008.

Alternativos: Once Upon a Time
Ano: 1986
Diretor: Kunihiko Yuyama
Estúdio: Kaname Productions
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 102 min
Gênero: Drama / Fantasia / Sci-Fi


Anime relativamente desconhecido do grande público, "Windaria" é freqüentemente usado como exemplo das homéricas pisadas na bola que as distribuidoras norte-americanas costumam dar, especialmente a infame Streamline Pictures, de Carl Macek. Ao mesmo tempo em que foi um dos principais responsáveis pela popularização dos animes nos EUA nas décadas de 80 e 90, Carl Macek é famoso pelas versões mutiladas e com dublagens tenebrosas que lançou por lá, até o encerramento das atividades da Streamline Pictures em 1999.

Conhecido nos EUA como "Once Upon a Time", a versão de "Windaria" da Streamline Pictures sofreu tamanho número de cortes que o tempo original da obra caiu de 102 para 95 minutos. Não satisfeito, Carl Macek e seus asseclas decidiram simplesmente remontar o anime a seu bel-prazer, colocando cenas do final no início e vice-versa, acabando com qualquer coerência que o enredo pudesse ter. Somente através da versão integral japonesa é que o público ocidental tem a chance de conhecer a obra em sua totalidade e com o enredo intacto. Mas será que a procura vale a pena?

Geralmente saudado por muitas pessoas como "o anime mais triste de todos os tempos", a história de "Windaria" começa num lugar chamado Itha, um próspero reino constantemente banhado pelo sol e pelo mar, que nunca entrou em guerra e é abençoado pela árvore de Windaria. Os moradores de Itha costumam rezar para a gigantesca árvore, para que ela sempre traga boas lembranças a todos. Apesar de ser uma bela cidade entrecortada por canais, Itha vive em estado de alerta constante, pois é totalmente ilhada pelo mar. Por esta razão, seus portões têm que ser fechados sempre que as marés sobem, sob o risco da cidade ser destruída pela mesma bela natureza que lhe traz tantas coisas boas.

É neste reino belo e diferente, com uma movimentada economia baseada na agricultura, que Izu e Marin costumam vender suas verduras e legumes, após viajarem bastante desde sua casa no campo. Um casal aparentemente perfeito, ambos se vangloriam de venderem apenas vegetais impecáveis, justamente por causa do amor contagiante dos dois. A alegria e o alto astral infantil de Izu contrasta com a ponderação e a suave beleza de Marin, e não é à toa que todos os habitantes da cidade admiram e recebem tão bem o casal em sua cidade.

Tudo parece perfeito na vida de todos, até que o militarista e altamente tecnológico reino de Paro, ansioso para obter todas as riquezas e belezas de Itha, ameaça violar um antigo tratado de paz entre os dois reinos, colocando em risco a paz e a tranqüilidade da região. Os agricultores, geralmente neutros em termos políticos, precisam decidir de qual lado ficarão, pois somente aqueles que estiverem ao lado dos futuros vencedores conseguirão manter o sustento através da venda de seus produtos agrícolas.


A situação também coloca em risco o relacionamento de Ahnas, princesa de Itha, e Jill, príncipe de Paro. Apesar da constante tensão entre os reinos, ambos são apenas duas pessoas pêgas por acaso em meio à imbecilidade de uma antiga rivalidade. Seria o amor entre os dois capaz de evitar a iminente guerra entre Itha e Paro?

Intrigas, amores impossíveis, pessoas comuns obrigadas a enfrentar as terríveis mudanças causadas pela guerra... todos os ingredientes para um drama comovente estão postos sobre a mesa. Infelizmente, o fraquíssimo enredo, aliado à pífia execução do anime como um todo, tornam a experiência de se assistir a "Windaria" um verdadeiro martírio.

Do lado positivo, a qualidade técnica da obra é admirável, especialmente por se tratar de uma obra feita em 1986 e sem um grande orçamento como os animes do Ghibli, por exemplo. Ainda que ocorra um certo abuso de células deslizantes para dar a impressão de movimento, a qualidade da animação como um todo é acima da média para a época. A trilha sonora é puro pop dos anos 80, especialmente as músicas cantadas, tudo embalado por um instrumental eletrônico bem simples... nada memorável, mas também nada que estrague a ambientação do anime, ainda que uma trilha grandiosa tivesse sido muito bem vinda em alguns momentos.

Deixando a parte técnica de lado, é preciso admitir que a metade inicial do anime é muito boa, com personagens carismáticos e uma tensão entre os reinos que aumenta de forma constante e convincente, fazendo com que o público realmente se preocupe com o que está por vir. É angustiante a sensação de que, numa guerra, é impossível tentar manter-se longe dos problemas. Fatalmente, o conflito afetará a todos, não importa como.

Infelizmente, dá para perceber que algo não vai bem no anime quando o maniqueísmo evidente faz com que o espectador seja praticamente obrigado a torcer por Itha. Afinal, se você tivesse que escolher, ficaria ao lado de um reino que venera a natureza, sempre ensolarado, alegre, cheio de criancinhas, ou ao lado de um reino soturno, vulgar e decadente, localizado sobre uma montanha, totalmente militarista e cujos únicos animais presentes são corvos ameaçadores?

O excesso de drama e o romantismo exagerado também são prejudiciais ao andamento da obra, sem contar algumas das mudanças psicológicas-frankenstein mais absurdas da história. Pessoas que abandonam seus amores praticamente num espirro, heróis altruístas que viram o "demo" simplesmente do nada, sem contar a burrice extrema que parece assolar todos os seres humanos da região. O cuidado que o roteiro parecia dedicar aos personagens no início se esvai de uma vez, e os mesmos se tornam tão rasos que é virtualmente impossível sentir mais do que indiferença por qualquer um deles, ainda que as tragédias e a violência comecem a aparecer de todos os cantos. E o que dizer das batalhas combatidas pelos exércitos mais ineptos de todos os tempos?



É uma pena, pois o início de "Windaria" antecipava uma grande obra que, infelizmente, não chegou nem perto de cumprir o que prometia. De certa forma, "Windaria" pode ser considerado uma variação ainda mais trágica de "Romeu & Julieta", pois aqui o drama não se restringe apenas ao amor impossível de um casal que vive em reinos rivais, mas se estende a toda a população de Itha e Paro. É louvável a coragem da equipe de produção em apresentar a história de forma tão ousada, com direito a nudez e mortes violentas. O problema é a execução risível e nada convincente, com situações tão insuportáveis e forçadas que chegamos a torcer pela morte de praticamente todo mundo para que o anime acabe logo. Afinal, como se comover com personagens tão vazios, burros, medrosos e sem personalidade, em meio a uma história tão mal conduzida?


Marcelo Reis


 

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