sexta-feira, março 01, 2013

Texhnolyze (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 08/08/2004.

Ano: 2003
Diretor: Hirotsugu Hamazaki
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 22
Duração: 24 min
Gênero: Drama / Sci-Fi / Violência


Às vezes fico com muita vontade de saber como funciona o cérebro de uma pessoa como Chiaki Konaka. Gostaria de entender como este brilhante argumentista e roteirista consegue ter tantas idéias na cabeça e, ainda, arrumar um jeito de passar estas idéias para o papel de uma forma sempre instigante para o público. Pode-se amar ou odiar o seu estilo, mas não dá para negar que coragem é o que não falta a Chiaki Konaka. Mesmo correndo o risco de dar um passo maior que as próprias pernas, Chiaki Konaka continua se arriscando em temas cada vez mais complexos. Esta ousadia às vezes resulta em uma obra menor, como Narutaru, mas felizmente ele acerta no alvo na maioria das tentativas, e Texhnolyze não é uma exceção.

Texhnolyze marca o retorno da colaboração de Chiaki Konaka com o desenhista de personagens Yoshitoshi Abe, responsáveis diretos pelo cultuado Serial Experiments Lain. Nesta obra, discutia-se até que ponto existe uma divisão entre o mundo real e o virtual e, ainda, levantavam-se questões sobre o que era realidade e o que era fantasia. Em Texhnolyze o enfoque é bem diferente mas, nem por isto, menos polêmico.

Deixemos estas questões para depois, e vamos à história. Controlada com mão de ferro pela gigantesca e opressiva organização chamada Organ, a desolada cidade de Lux encontra-se à beira de uma guerra civil. Lux é uma importante cidade, pois se trata do único local no mundo onde ainda se encontra Lafia, um misterioso elemento explorado por Organ e vital para os tratamentos "Texhnolyze". Em um período no qual a violência impera e mutilações severas se tornam cada vez mais comuns, a abordagem "Texhnolyze" é revolucionária, pois permite a reposição, por próteses bio-mecânicas, de membros e órgãos perdidos. Estas próteses interagem diretamente com o sistema nervoso do receptor nos níveis molecular, mecânico e biológico.

Quem não aceita esta prática de forma alguma é a "Aliança da Crença no Desastre", organização rival do Organ, composta por fanáticos religiosos que não aceitam interferências nos desígnios da natureza e enxergam a terapia "Texhnolyze" como algo herético. Os atritos constantes entre Organ e a Aliança deixam a cidade de Lux num estado de constante tensão, situação ainda agravada pela existência de uma terceira organização chamada Lakan, composta por jovens de mentalidade puramente anarquista e que não aprovam a linha de pensamento nem do Organ, nem da Aliança.

Tudo isto poderia resultar em um anime apenas interessante, repleto de cenas de ação e com muita intriga e tramas políticas. Isto acontece, é verdade, mas a cabeça de Chiaki Konaka consegue transformar um tema aparentemente banal em algo super complexo, que mexe para valer com a mente do espectador. Konaka aproveita algumas idéias presentes em obras como "Ghost in the Shell" e "Gunnm", e injeta uma boa dose de anabolizante nas mesmas. Konaka ataca o fanatismo religioso, cutuca a crueldade aparentemente intrínseca do ser humano e, ainda, joga algumas perguntas no ar: o que significa "estar vivo"? O corpo biológico realmente é importante? Ou, melhor dizendo, qualquer tipo de corpo tem importância, ou seria possível viver apenas em um estado de consciência? É... e ainda dizem que anime é coisa de criança.


Um fato interessante a respeito de Texhnolyze se refere aos personagens. Apesar de interessantes e muito complexos, eles não são, nem de longe, a razão principal para se assistir a esta série. Não me entendam mal: sem os dramas pessoais destes personagens, especialmente do perturbado Ichise e do atormentado membro do Organ, Kaego Oonishi, o enredo não existiria e nem teríamos por quem nos importar ou torcer. Quis dizer, apenas, que apesar dos ótimos personagens e dos obstáculos severos que têm de enfrentar, o que realmente importa em Texhnolyze são as idéias implícitas nas perguntas citadas no parágrafo anterior que, de quebra, fazem paralelos muito sutis com o Céu, Purgatório e Inferno (ou, em outras palavras, com a salvação, expiação e danação eterna).

Nos aspectos técnicos, Texhnolyze é, no mínimo, assombroso. A Madhouse arrebenta como sempre na animação, mas em Texhnolyze eles ainda abusaram um pouco mais... o nível da animação, repleta de inventivas tomadas de câmera e detalhadas cenas de violência, é tão incrível que temos a impressão de estarmos assistindo a uma série de 22 OVAs, e não 22 episódios para TV. Por sinal, se o tema complexo não for razão suficiente para afastar as crianças da sala, o visual certamente o será. Texhnolyze possui algumas das mais impressionantes e cruéis cenas já mostradas em um anime, empalidecendo até mesmo a violência pesada e as nada implícitas referências sexuais presentes em Berserk. O visual sombrio dos cenários, sempre envoltos em neblina e poeira, dão o toque final para o ambiente desolador deste anime.

Assim como Chiaki Konaka, Yoshitoshi Abe aparece em plena forma em "Texhnolyze". Seu traço está ainda melhor do que em Lain, com personagens de feições mais marcantes e olhos ainda mais expressivos. É difícil não gelar com a assustadora face de Ichise durante seus ataques violentos, ou não se comover com a expressiva inexpressividade de Ran, garota com poderes psíquicos que é obrigada a assumir uma responsabilidade indesejada. Ah, a trilha sonora! Como me esquecer da genial abertura dos episódios, embalada pela lisérgica "Guardian Angel", de Juno Reactor, ou deixar de mencionar a trilha sinistra e repleta de ruídos, que serve como pano de fundo ao longo da série e dá o clima perfeito às viagens mentais de Chiaki Konaka?

Mas nem tudo é perfeito. Como foi dito acima, os personagens não são a verdadeira força motora por trás da série. Isto não quer dizer que eles sejam dispensáveis, e aqui reside o grande defeito de Texhnolyze: apesar do tema complexo, as verdadeiras motivações dos personagens nunca são plenamente justificadas, e isto acaba deixando alguns buracos estranhos no roteiro. O melhor exemplo é Yoshii Kazuho, um homem de bigodinho que consegue sair sozinho do buraco de onde se extrai Lafia. Não vou entrar em detalhes, mas é difícil entender vários de seus atos psicóticos, principalmente partindo de uma pessoa que se diz destinada a abrir os olhos da população de Lux. E problemas semelhantes se repetem com outros personagens: por que Ichise grunhe tanto e é tão possesso? Mesmo com todas as questões do passado envolvendo seus pais, o tratamento Texhnolyze ou a "fera interior que não quer calar", ele não precisava agir de forma tão animalesca. E Oonishi, o qual supostamente "ouve" a voz da cidade de Lux, toma atitudes muito ineficientes (para não dizer idiotas) para quem possui uma posição de tamanho destaque dentro do Organ.



Texhnolyze é um baita anime, com um final melancólico que, apesar de não cair na pieguice, dá aquele nó na garganta. Esta série tinha todos os ingredientes para atingir a perfeição, mas esbarrou na exagerada complexidade proposta por Chiaki Konaka. Ao assistir a Texhnolyze, torci para que Konaka segurasse um pouco as rédeas em alguns momentos, de modo a não perder o controle da situação, mas parece que sua mente é algo verdadeiramente indomável. Esta rebeldia pode ter tirado um pouquinho, só um pouquinho, do brilho deste fantástico anime, mas pelo menos é uma garantia de que ainda teremos muita coisa boa vinda da cabeça deste genial roteirista. Só nos resta aguardar ansiosamente.


Marcelo Reis


 

6 comentários:

  1. Para entender razoavelmente a história é necessário deixar a interpretação voar um pouquinho e assim o torna bem complexo, concordo no quesito de deixar alguns pontos vagos também mas é indiscutivelmente um bom anime!!

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  2. Olá, Helan.

    Antes de mais nada, muito obrigado pelo comentário e me desculpe pela demora na resposta.

    Sim, sem dúvida, é um anime com alguns momentos extremamente viajandões, mas é uma excelente obra sem sombra de dúvidas. Sinto saudades de animes com esta aura super séria e violenta.

    Um grande abraço!

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  3. O curioso nesse anime é o primeiro episódio, muito arrastado (mais do que no resto da série), muito dark, quase sem diálogo, o que faz muita gente droppar. Isso vai na contra-mão do costume, que é apresentar a série de uma forma mais atrativa no primeiro episódio. Eu acho que eles queriam meio que "selecionar" o público que acompanharia o resto da série.

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    1. É bem por aí mesmo. Quando o anime foi lançado, lembro que pirei com a música do Juno Reactor, e me empolguei ainda mais vendo os nomes envolvidos (Chiaki Konaka, Yoshitoshi Abe, etc). O primeiro episódio realmente deu uma impressão estranha, mas valeu a pena fazer um esforço e assistir aos demais episódios.

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    2. Você chegou a ver esse anime na época, 2003? Como era a internet? Baixava legal?

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    3. Na época eu escrevia as resenhas logo depois de assistir aos animes. Como a resenha é de 08/2004, provavelmente assisti um ou dois meses antes disto. E na época era uma desgraça a internet, tudo em modem discado a 33.6kbps. :D A maioria dos animes eu pegava através de troca, porque baixar dava trabalho demais e demorava horrores.

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