sexta-feira, março 01, 2013

Monster (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 17/09/2006.

Ano: 2004
Diretor: Masayuki Kojima
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 74
Duração: 24 min
Gênero: Drama / Terror / Mistério


Série que obteve um enorme reconhecimento de crítica e público, Monster é um anime que desafia a lógica de pessoas que teimam em encontrar uma fórmula infalível para a criação de obras de sucesso. No caso de Monster, o sucesso começou um pouco antes, no mangá original criada por Naoki Urasawa, autor de outros mangás famosos como Master Keaton e Yawara. Apesar de ser um mangá com um tema pesado envolvendo muitas mortes violentas, personagens com problemas psicológicos evidentes e uma trama que se desenrola em vários países da Europa, Monster caiu no gosto do público japonês e, pouco tempo depois, conquistou também o mercado mundial. O sucesso foi tamanho que até mesmo uma versão "live-action" será produzida em território americano, com distribuição por parte da New Line. A obra de Urasawa possui tanto poder de fogo que não passou por uma situação chata que ocorre na maioria dos animes adaptados de mangás, a simplificação extrema da história para que o enredo caiba em no máximo 26 episódios. Surpreendentemente, o anime de Monster durou exatos 74 episódios, o que deu tempo mais do que suficiente para que a história fosse desenvolvida sem atropelos e sem simplificações, algo importantíssimo em uma obra tão complexa, ainda que esta mesma longa duração tenha efeito direto em vários dos sérios problemas existentes na série.

Tudo começa no ano de 1986, em Düsseldorf, Alemanha. Kenzo Tenma é um brilhante neurocirurgião, considerado um verdadeiro gênio em sua área de trabalho. Possui uma posição de destaque na equipe de neurocirurgiões do Dr. Heinemann, chefe do Eisler Memorial Hospital, além de ser noivo de sua filha, Eva Heinemann. Apesar deste status mítico, Tenma é uma pessoa simples, um médico que realmente se importa com o bem-estar de seus pacientes e que não liga muito para toda esta badalação. Apesar da inveja de alguns colegas, todos viam que Tenma tinha um futuro brilhante à frente, provavelmente uma vida de intensa felicidade.

Mas as coisas podem mudar num piscar de olhos. Após um episódio traumático com um paciente turco, Tenma percebe, aos poucos, que na visão do hospital, nem todos os pacientes eram tratados da mesma forma, nem toda vida possuía o mesmo valor. Por esta razão, quando chegam na mesma hora ao hospital um garoto baleado na cabeça e o prefeito da cidade, Tenma não hesita em operar o garoto, deixando a operação do prefeito nas mãos de outra equipe, apesar da insistência do Dr. Heinemann para que fizesse o oposto.

O garoto, filho de um dissidente da Alemanha Oriental, se salva, mas não o prefeito, e de uma hora para outra a vida de Tenma vira de cabeça para baixo, tudo o que dava como certo escapa pelos seus dedos, e as coisas entram numa descendente sem fim. Tenma mal poderia imaginar que uma simples decisão como esta mudaria sua vida por completo. Perde o cargo de confiança e a noiva, e passa a viver em um verdadeiro inferno dentro do hospital. Alguns assassinatos colocam Tenma de volta a uma posição de destaque no trabalho, mas por ter sido o principal beneficiário destas mortes, ele se torna o principal suspeito dos assassinatos. Para completar o cenário, o garoto baleado e sua irmã gêmea desaparecem misteriosamente após os crimes.

Nove anos depois, Tenma leva uma vida quase normal, mas uma série de assassinatos de casais de meia-idade em toda a Alemanha, assim como o destino inglório de um paciente que acabara de operar, traz de volta à sua mente a imagem do garoto baleado, os fatos que o levaram até o hospital naquela noite de 1986, os assassinatos subseqüentes... Johan Liebert, o tal garoto, talvez fosse muito mais do que apenas um menininho baleado na cabeça. Com terríveis suspeitas em mente, Tenma sai pelo mundo em busca do agora desaparecido Johan, tentando consertar o estrago feito quando salvou a vida de alguém que não deveria ter sido salvo, e se vê envolvido em uma intrincada história envolvendo gente poderosa, pessoas que querem colocar a Alemanha de volta à posição de poder da época do nazismo e, em cujo plano, Johan possui posição de destaque. Por quê? Só mesmo assistindo à série.

De forma simplificada, pode-se dizer que Monster é um jogo de gato-e-rato entre dois brilhantes personagens, Tenma e Johan, de certo modo uma batalha entre o Bem e o Mal absoluto representado por cada um deles. Na realidade, as coisas ficam muito mais complexas com a entrada de importantes personagens como a irmã gêmea de Johan, Anna Liebert, a qual chegou em estado de choque ao hospital na noite em que o irmão fôra baleado e que, assim como ele, possui muita coisa pesada escondida em seu passado, e Heinrich Runge, ex-agente da antiga polícia secreta da Alemanha Oriental, um verdadeiro computador ambulante que se tornou um policial obstinado, orgulhoso por nunca haver deixado de solucionar um crime e que fica obcecado com o caso de Tenma.


Mas isto seria simplificar demais a situação. É fato que ocorre um envolvente jogo de gato-e-rato, mas o grande atrativo em Monster é o brilhante retrato psicológico dos personagens. Aqui não há clichês nem maniqueísmos, cada personagem é muito bem construído, com cada faceta de sua personalidade sendo gradativamente exposta e explicada ao longo dos episódios. Tenma é teoricamente o lado bom da história, mas mesmo com tanta bondade em seu coração, precisa controlar o ódio e a raiva que estão prestes a explodir dentro de si cada vez que se depara com alguma nova "obra" de Johan. Este, por outro lado, é talvez a melhor personificação do Mal Supremo já retratado em um anime, com uma presença e um carisma poucas vezes igualados. Johan possui alguma coisa que lembra o personagem Griffith (Berserk), com uma aparência angelical e doce que esconde desejos e idéias pra lá de assustadores. E, mesmo sendo quase o capeta em pessoa, Johan não é um personagem maniqueísta, e sua construção é tão brilhante que, pasmem, chegamos até a nos comover com sua situação ao longo do anime, torcendo por sua redenção. Outros personagens, como os supracitados Runge e Anna Liebert, além do garoto Dieter, são igualmente complexos e tridimensionais, o que enriquece sobremaneira a trama. Ainda que a história não fosse boa, o que não é verdade, Monster mereceria ser assistido apenas por ser um tremendo estudo de personagens.

Praticamente toda a equipe responsável por Master Keaton voltou à ativa em Monster. O diretor Masayuki Kojima, o desenhista de personagens Shigeru Fujita, o compositor Kuniaki Haishima, entre outros, trazem de volta o mesmo estilo visual e narrativo presente em Master Keaton, ainda que em Monster o clima seja mais soturno. O trabalho do estúdio Madhouse, como sempre, dispensa comentários, e é notável perceber como conseguiram manter o bom nível da animação em todos os episódios, especialmente por se tratar de uma série muito longa e praticamente sem "recaps". O desenho de personagens é muito interessante, um pouco diferente do estilo normalmente usado em mangás e animes e com um uso maior de linhas de expressão, o que é particularmente interessante ao mostrar os personagens envelhecendo, com mudanças sutis no rosto, no cabelo e até mesmo na postura. Johan, em particular, é um perfeito exemplo, pois consegue mudar de uma feição angelical para outra completamente demoníaca apenas com o olhar, o qual, diga-se de passagem, é capaz de gelar a espinha de qualquer um.

Uma curiosidade diz respeito à abordagem usada por Naoki Urasawa nos mangás de Master Keaton e Monster, com protagonistas enfrentando problemas longe de sua terra natal. No caso de Master Keaton, o protagonista é meio inglês, meio japonês, enquanto em Monster, Kenzo Tenma é 100% japonês. Em ambos os casos, este lado japonês em terras estranhas exerce função de destaque no modo de agir e pensar de cada um, sem que sejam, no entanto, representados de forma caricata ou estereotipada.

Ainda que seja uma série realmente acima da média, Monster possui muitos e graves defeitos. O primeiro terço da série é quase impecável, acrescentando mais e mais detalhes na intrincada trama com um ritmo envolvente, sem atropelos e deixando o espectador ávido por novidades. Os personagens bem trabalhados psicologicamente não parecem rasos, e é interessante como todos eles, bem resolvidos na vida adulta ou não, carregam nas costas todo o peso das experiências passadas, especialmente aquelas ocorridas quando ainda eram crianças, e isto é particularmente evidente no caso dos irmãos Liebert. O título da série está relacionado a isto, pois ao longo da série, sempre existem citações sobre o monstro que existe dentro de cada pessoa, esperando apenas ser liberado para causar estragos, e geralmente o gatilho para liberar tal monstro vem de algum evento ocorrido bem cedo, na infância. O clima tétrico é muito bem usado no início, deixando sempre aquela dúvida na cabeça: seria Johan o verdadeiro anticristo? E por que razão ele é considerado uma ameaça até mesmo à existência da humanidade como um todo?

É aí que começam os problemas. A série nunca chega a ficar realmente ruim, mas o brilhantismo do início só volta a aparecer em momentos muito isolados. Um arco da história em especial, passado em Munique, poderia ter sido reduzido sem problema algum, já que se foca em assuntos e personagens que, no fim das contas, praticamente não afetam o resultado final. Por ser uma série muito longa, o roteiro perde um pouco o foco no que realmente importa, o que causa um enfraquecimento na trama central, pois a ameaça original representada por Johan acaba não parecendo assim tão perigosa no final das contas. Além disto, o roteiro possui buracos tremendos: por que ninguém matou Johan no início? Como alguém que chegou a aparecer na TV como um importante auxiliar de um famoso milionário pode ser considerado uma pessoa que não existe? Por que Tenma é a única pessoa capaz de solucionar o problema? Sem contar algumas coisas absurdas como uma pessoa procurada por um crime ocorrido anos antes na Alemanha ser reconhecida por alguém em um país tão diferente quanto a República Checa. É algo tão despropositado quanto um brasileiro reconhecer um argentino procurado por um assassinato realizado em seu país vários anos antes. E ainda existe um problema cada vez mais comum em obras atuais, especialmente em animes, que é a mania de se explicar demais as coisas com diálogos, como se o espectador fosse burro. Se determinada pessoa bebe demais, por exemplo, e está desmaiada em um sofá usando sua roupa de trabalho, qual a razão de descrever esta cena com diálogos como "Ela bebeu demais e dormiu no sofá sem trocar de roupa"? Este é apenas um exemplo hipotético, mas coisas do tipo ocorrem a todo momento. Se as imagens mostram o que acontece, não é preciso explicar demais.

Mas o gigantesco problema da série são as coincidências. Se ocorressem apenas esporadicamente, sem problemas, mas em Monster as coisas passam do limite, não apenas pela incrível quantidade de coincidências mas, ainda, pela inacreditável complexidade das mesmas. Quais as chances, no mundo real, de que várias pessoas, nos mais diferentes lugares, tenham exatamente a mesma idéia, na mesma hora, e cheguem todas juntas a um local determinado, em um momento climático da trama? Se uma vez já é complicado, imaginem quando isto ocorre duas, três, dez, vinte vezes na mesma série! E isto é algo muito grave em um anime com o pé tão fincado no chão e com personagens tão tridimensionais, pois se no início o espectador consegue visualizar aquela história ocorrendo no mundo real, com as coincidências ele se desloca do enredo e passa a assistir aquilo puramente como uma obra de fantasia, na qual tudo pode ocorrer, mesmo as coisas mais despropositadas.



Monster é uma série sobre a qual eu poderia escrever muito mais, sob o risco de me tornar maçante ou dizer mais do que o necessário sobre a história. Muitos dizem que é uma das melhores séries dos últimos anos, que apenas Full Metal Alchemist chegou aos seus pés, e assim por diante. Como foi dito acima, o início da série é memorável, e alguns momentos ao longo da narrativa são realmente brilhantes, mas é difícil imaginar Monster no mesmo patamar de um Fantastic Children ou Gankutsuou, por exemplo. É um anime altamente recomendado, um excepcional estudo de personagens com uma trama central que começa e acaba muito bem, mas que teria sido altamente beneficiado se fosse um pouco mais curto e com menos coincidências. Pelo menos desta vez a culpa não é dos clichês.


Marcelo Reis


 

Um comentário:

  1. um dos melhores animes que tive o prazer de ver e vou rever ele novamente com a minha esposa logo apos ela terminar de ver GTO que a principio esta adorando as maluquices de Onizuaka

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