sexta-feira, março 01, 2013

Mind Game (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 28/09/2007.

Alternativos: Mindgame
Ano: 2004
Diretor: Masaaki Yuasa
Estúdio: Studio 4ºC
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 104 min
Gênero: Aventura / Comédia / Adulto


Daqui a pouco o pessoal vai parar de me chamar de "garoto-propaganda do Satoshi Kon" e mudar o apelido para "garoto-propaganda do Studio 4ºC", de tanto que eu tenho falado deste estúdio nos últimos meses. Mas quem chegou a assistir a alguns dos animes indicados aqui no site tem que admitir que todo este falatório elogioso em relação ao Studio 4ºC é mais do que justificado: gostem ou não do estilo de suas obras, é inegável que o estilo visual e narrativo de seus animes são únicos, quase uma marca registrada.

É claro que, depois de tanta conversa mole, o anime aqui resenhado só poderia ser do Studio 4ºC... e quando ainda há um dedinho da Madhouse envolvido na promoção da obra, aí é que o lado "fanboy" ataca com tudo! Enfim, depois de analisar tantos curtas-metragens do Studio 4ºC, já estava passando da hora de resenhar um longa-metragem animado por este cultuado estúdio. Tudo bem, a Cátia Nunes já havia analisado "Princess Arete" há algum tempo, mas apesar da maior parte da animação daquela obra ter ficado a cargo do 4ºC, ela quase não possui aquelas características que distinguem as animações do estúdio, talvez por se tratar de uma obra de encomenda.

E é aí que entra "Mind Game", obra baseada no mangá underground de Robin Nishi que é a cara do Studio 4ºC em todos os aspectos. O sublime início deste anime, sem diálogos e com cortes rápidos, faz um breve resumo da vida de alguns personagens, e várias cenas aqui presentes aparecerão novamente ao longo da obra, cujo enredo gira em torno dos amigos Myon e Nishi. Myon é uma bela garota de espírito forte que mora com o pai (fissurado em namorar garotas bem jovens) e a irmã, após a família ter sido abandonada pela mãe. Nishi é um rapaz que trabalha com mangás e está de partida para Tóquio, em busca de maior projeção na profissão (seria este Nishi um alter-ego do autor do mangá, Robin Nishi?). Amigo de Myon desde a infância, Nishi sempre foi apaixonado pela garota mas, por falta de coragem, nunca declarou seu amor a ela. Por esta razão, ele vê seu amor escapar pelos dedos, e quando recebe a notícia que Myon está prestes a se casar, seu mundo desaba... de uma forma muito peculiar.

Nishi mal poderia imaginar como sua vida mudaria ainda mais naquela noite, quando uma inusitada mistura de gângsters, assuntos pessoais, brigas de família e um jogador de futebol careca e psicopata entra em cena. Sua cabeça funciona a mil, e várias idéias que pipocam aqui e ali, sem tréguas, nem sempre podem ser aplicadas na dura realidade, infelizmente. É nesta hora que Nishi percebe como é um "zé mané", um cara que deixa a vida passar sem aproveitar as chances que tem, nunca fazendo aquilo que realmente deveria. A vida é uma só, não há outra chance, é preciso aproveitar, mas... e se Nishi tivesse uma chance de fazer tudo diferente? As coisas poderiam melhorar... ou, quem sabe, piorar mais ainda...


Bom, sei que o parágrafo acima não foi lá muito direto, mas em um anime tão diferente como este, quanto menos for revelado sobre o enredo, melhor. Como o próprio nome "Mind Game" sugere, grande parte dos problemas enfrentados pelos personagens tem origem no medo existente dentro da cabeça das pessoas, as quais, à medida em que crescem, parecem ficar totalmente tomadas pelo pânico... poucos se arriscam, preferindo viver de forma acomodada e valorizando as coisas erradas, só reconhecendo a importância das coisas simples e realmente valiosas depois que as mesmas são perdidas.

Parece chato? Podem ficar tranqüilos porque, de chato, Mind Game não tem nada. Com aquele estilo visual e narrativo típico do Studio 4ºC, Mind Game é uma viagem psicodélica que toca em temas muito polêmicos e, de quebra, possui um nível de violência que só não assusta mais porque o inteligente roteiro de Masaaki Yuasa (Kemonozume), o qual também assume o cargo de diretor com muita competência e firmeza, insere tiradas de humor nas horas exatas e corta um pouco o clima de tensão. Com um ritmo alucinante, Mind Game é a representação perfeita de uma "montanha-russa em formato anime", com direito à aparição de um Deus enlouquecido representado de uma forma nunca vista antes... só vendo para crer! Tudo isto é suficiente para mostrar que Mind Game não é, nem de longe, um anime recomendado para crianças, não apenas pela temática complicada mas, logicamente, pelas cenas impressionantes, incluindo um momento muito "caliente" embalado por uma bossa nova cantada num português pra lá de tosco.

Em se tratando de uma obra do Studio 4ºC, dizer que a parte técnica é perfeita é chover no molhado. Não é qualquer estúdio que pode se dar ao luxo de ter o genial Koji Morimoto ("Magnetic Rose" em Memories, "Beyond" em Animatrix) como diretor de animação, e se é possível contar com um diretor de arte como Tooru Hishiyama (Grave of the Fireflies, Princess Arete). tanto melhor. Como se isto não fosse suficiente, temos ainda Shinichiro Watanabe (ele mesmo, de Cowboy Bebop e Samurai Champloo), assumindo a função de... diretor musical! "Mind Game" usa e abusa da conhecida capacidade dos profissionais do Studio 4ºC para criar um visual 2D de cair o queixo, mas usando técnicas de animação em 3D, colagem de imagens, inserção de rostos de pessoas reais no meio da animação, todas aquelas pirações que os fãs do estúdio já se acostumaram a ver em seus curtas. Algumas idéias visuais são brilhantes, como num determinado momento em que o ponto-de-vista é representado como uma câmera subjetiva (visão do personagem) e, de repente, a imagem começa a ficar embaçada pelas lágrimas vertidas pelo personagem em questão. Um detalhe sutil e sublime, realizado com maestria.

Com um inacreditável final que supera tudo o que possa ser imaginado em termos de exagero (Duro de Matar e Geobreeders são fichinha perto do que acontece aqui), Mind Game é um anime que faz jus à fama singular do Studio 4ºC em todos os sentidos. Tanto é verdade que, além do prêmio de Melhor Animação no Fantasia (Montreal), Mind Game ainda faturou o Noburoh Ohfuji Award, um prêmio especial dentro do Mainichi Film Awards, pela técnica e destreza no uso da animação. Em um país famoso por seus fantásticos e criativos estúdios de animação, ganhar um prêmio destes não é para qualquer um... mas que o Studio 4ºC não é um estúdio qualquer, isto a gente já sabe há tempos.



Usando um estilo ensandencido e engraçadíssimo para contar uma interessante história sobre a importância de se arriscar, viver bem, aprender com os erros e enfrentar os problemas, Mind Game é uma obra que, em função de seu estilo visual singular e humor cáustico, talvez não agrade a todo mundo. Mas quem conseguir entrar no clima, terá uma viagem e tanto. E se o "verdadeiro" Robin Nishi que aparece em certo ponto do anime tiver algo a ver com o verdadeiro autor do mangá, ele é simplesmente "o cara"!


Marcelo Reis


 

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