sexta-feira, dezembro 02, 2016

Junkers Come Here (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 02/12/2016

Ano: 1994
Diretor: Junichi Sato
Estúdio: Bandai Visual / Kadokawa Shoten / Triangle Staff
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 100 min
Gênero: Drama / Magia / Slice-of-Life



Por um preconceito tolo, quase deixei de assistir este anime. Apesar de saber que "Junkers Come Here" era um filme adorado por muita gente, sendo inclusive escolhido o Melhor Filme de Animação no Mainichi Film Awards em 1995, eu sempre desanimava ao ler na sinopse que Junkers era um cachorro mágico falante, capaz de conceder três desejos à sua dona. Felizmente a curiosidade venceu, o que me permitiu conhecer esta verdadeira pérola, relativamente desconhecida aqui no Ocidente.

Hiromi Nozawa é uma garota de 11 anos que vive uma situação inusitada: sua mãe, Shizuko, fica quase todo o dia fora de casa, trabalhando como gerente de um grande hotel, enquanto seu pai, Shintaro, um diretor de comerciais, costuma passar longas temporadas fora do Japão. Por esta razão, Hiromi praticamente vive sozinha em casa, tendo apenas a companhia de Fumie Morita, a empregada da família, e de Keisuke Kimura, um belo e responsável rapaz que recebeu de Shintaro a função de dar aulas particulares para Hiromi e, de certa forma, ser um tutor temporário da garota.

Ah, mas tem mais alguém nesta história: Junkers, o terrier de Hiromi. Companhia para todas as horas, o cãozinho faz questão de esperar sua dona todos os dias na porta da escola, e é o principal confidente da garota. Afinal, não é todo mundo que pode se dar ao luxo de ter um cãozinho falante e nada bobo. Hiromi sempre lembra a Junkers, inclusive com demonstrações um pouco assustadoras, de que o fato dele falar deve ser um segredo entre eles: do contrário, a notícia se espalharia, emissoras de TV não dariam sossego a Junkers, que ficaria impedido, entre outras coisas, de assistir a "Zenigata Heiji", J-Drama que é seu programa favorito.

Apesar da ausência dos pais em grande parte do dia-a-dia, Hiromi é muito centrada, cumpre direitinho seus deveres e leva uma vida aparentemente feliz. Odeia ser chamada de criança, mas nutre uma paixonite por Keisuke, 12 anos mais velho que ela, e em sua mente infantil, tem certeza absoluta que os dois têm um futuro promissor. Sonha ainda com o dia em que poderá reviver a cena registrada numa pequena fotografia em sua caixinha de música: ela e seus pais, bem mais jovens, alegres e brincalhões à beira da praia. Mas sua vida começa, aos poucos, a ficar menos colorida e alegre, quando estas fantasias começam a desmoronar aos poucos, e é preciso enfrentar a dura realidade sem meias-verdades.

O verdadeiro coração por trás da produção de "Junkers Come Here" é Naoto Kine. Compositor e guitarrista da banda TM Network, que inclusive compôs as músicas-temas dos animes "City Hunter" e "Gundam: Char's Counterattack", Naoto Kine criou a história original deste anime, além de fazer o roteiro, compor os temas musicais principal e de encerramento e, de quebra, dublar o pai de Hiromi, Shintaro. Mas não dá pra minimizar a importância de ter um diretor como Junichi Sato no comando. Seu trabalho em obras como "Sailor Moon" e "Pretear" são prova de que ele sabe como poucos equilibrar drama e comédia nos momentos certos, sem forçar a barra. Há cenas deliciosas de humor sutil, que nos fazem rir com gosto, enquanto algumas cenas dramáticas dão aquele nó na garganta, sem apelar pra pieguice ou gritarias histéricas.


Visualmente, "Junkers Come Here" é de encher os olhos. O colorido do anime é sempre suave, o ambiente é sempre bem iluminado, e por ter sido feito inteiramente com lápis-de-cor, possui aquela granulação tão típica desta forma de colorização. A animação em si é primorosa, com uma atenção brutal aos menores movimentos de cada personagem. E em cenas em que há muitas pessoas e animais se movimentando, cada um deles é animado em detalhes. Em vários momentos, temos até a impressão de que estamos assistindo a uma obra do Studio Ghibli. E o desenho de personagens de Kazuo Komatsubara (Captain Harlock, Galaxy Express 999), infelizmente falecido em 2000 em função de um tumor maligno no pescoço, só reforça esta impressão: é um traço delicado e diferente, com personagens de olhos pequenos e rostos extremamente expressivos.

E por falar em personagens, como eles são maravilhosos em "Junkers Come Here". Hiromi é uma menina decidida, que não leva desaforo pra casa, mas apesar desta aparente força interior, é apenas uma criança: por mais forte que alguém seja, uma hora não dá para segurar tantas emoções conflitantes dentro de si. Seus pais trabalham muito, se importam com a filha, tentando oferecer o melhor a ela, na medida do possível, mas por considerarem Hiromi extremamente responsável e madura, não conseguem enxergar a dor dentro de seu coração. Keisuke, por ser a pessoa mais próxima a Hiromi, acaba se tornando uma mistura de objeto de amor platônico e pai para a garota, e geralmente é quem percebe melhor o que se passa com ela. E a empregada Fumie, completamente caidinha por Keisuke, é um espetáculo à parte, especialmente quando começa a cantar a plenos pulmões, feliz da vida.

"Ué, mas e o Junkers?" :)

Felizmente, o cachorrinho é show de bola. Na frente de outras pessoas, ele age como um cãozinho normal, ainda que um pequeno deslize tenha deixado a senhora que cuida do semáforo na frente da escola com a pulga atrás da orelha. E ainda tem outra característica inusitada: pânico de gatos! Mas com Hiromi, ele se torna um verdadeiro confidente, e tem um pouco de dificuldade em entender a mentalidade dos humanos, que preferem vestir máscaras e esconder seus verdadeiros sentimentos. Foi uma decisão acertada do roteirista não tentar explicar por que Junkers é capaz de falar, ou o motivo pelo qual ele é mágico e pode realizar 3 desejos: fica no ar uma certa possibilidade de ser tudo obra da cabeça de Hiromi, mas ainda que não seja, este fator fantástico não estraga em nada a força da narrativa. As habilidades de Junkers são importantes para o enredo, mas não cruciais: o que importa mesmo é o relacionamento humano e os dramas universais que se desenrolam na tela.

Se eu precisasse fazer uma crítica, e tentando não entregar nada muito importante da história, seria apenas em relação a uma certa apologia à idéia de salvar o casamento a qualquer custo pelo bem da criança: na vida real, tal atitude dificilmente traz benefícios a qualquer das partes envolvidas.



Com vários momentos sublimes, e uma cena particularmente memorável envolvendo Junkers e Hiromi ao som da bela canção "Honto no Kimi, Uso no Kimi", "Junkers Come Here" foi uma das mais gratas surpresas que tive até hoje no universo dos animes. Não faça como eu: deixe o preconceito contra cachorros mágicos falantes de lado, e delicie-se com esta verdadeira obra-prima.


Marcelo Reis


 

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