OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 10/04/2017
Ano: 1986
Diretor: Béla Ternovszky
Estúdio: Pannónia Filmstúdió
País: Hungria
Episódios: 1
Duração: 92 min
Gênero: Aventura / Comédia
Este longa-metragem húngaro foi produzido em 1986, num período em que a Guerra Fria ainda estava em curso. Como a Hungria fazia parte da Cortina de Ferro - em outras palavras, os países do bloco comunista da Europa sob controle soviético - ainda havia muita censura e dificuldades financeiras em todos os aspectos. É uma surpresa agradável ver uma animação criada em tempos tão difíceis com tamanha qualidade técnica e com uma narrativa ágil, bem próxima dos filmes de ação produzidos no Ocidente. Até hoje, "Macskafogó" é uma das animações mais cultuadas no Leste Europeu, tendo sido inclusive um enorme sucesso de bilheteria na antiga União Soviética.
Pegando o próprio texto da introdução do filme, que imita a abertura de "Guerra nas Estrelas": "No ano 80 AMM (Após Mickey Mouse), os ratos do Planeta X estão ameaçados pela humilhação e extinção total. Gatos sedentos de sangue formam gangues multinacionais bem organizadas e equipadas, violando a lei e a ordem, ignorando convenções históricas entre gatos e ratos, buscando a aniquilação completa da raça dos ratos. Mas à beira da destruição completa, quando os ratos mais sábios já pensavam em abandonar o planeta, nasce uma nova esperança..."
De cara, chama a atenção a ótima qualidade de animação em "Macskafogó". Relembrando: estamos falando de uma animação feita em 1986, em meio à verdadeira penúria pela qual passavam os países do Leste Europeu. Por isto não podemos compará-lo visualmente a outras animações lançadas no mesmo ano, como "Laputa", "Fievel - Um Conto Americano" ou "Project A-KO", já que a diferença de orçamento é simplesmente brutal. Ainda assim, mesmo com cenários relativamente simples, "Macskafogó" possui um bom gosto visual que permeia toda a obra, além da animação propriamente dita ter uma qualidade simplesmente sensacional.
Zoltan Maros, desenhista de personagens, faz um trabalho impecável na caracterização dos gatos e ratos neste desenho, sem dúvida auxiliado pelo roteiro inspirado de József Nepp, uma vez que o próprio nome de vários personagens diz muito a respeito dos mesmos. Mr. Teufel, por exemplo - que significa "Sr. Diabo" em alemão - um manda-chuva da máfia dos gatos, é magro, alto, usa um tapa-olho do lado esquerdo e tem uma pata esquerda metálica que causa estragos em Safranek, seu subalterno imediato, sempre com um olhar assustado, postura encurvada e falando pelos cotovelos para tentar justificar seus atos. O Sr. Giovanni Gatto, líder máximo da máfia, é um gato branco, gordo, com aquela pinta esnobe de quem se acha intocável. E como esquecer de Schwartz, que como o nome em alemão indica, é um gato preto, líder dos malandros de rua, com um jeitão bem seboso e que se acha o "rei da cocada", tanto que faz questão de ser chamado de "von Schwartz", para dar aquela pinta de nobreza que nem de longe ele possui.
Do lado dos ratos, o destaque é sem dúvida Nick Grabowski. Um ex-membro da Intermouse, tudo o que Grabowski quer agora é viver isolado, meditar em meio a muito incenso, comer muita "junk food" e espalhar aos sete ventos que é a 13ª encarnação de Mickey Mouse. Grabowski tem aquela pinta blasé que lembra muito James Bond: é bom de briga, inteligente, não perde a cabeça nem nos momentos mais desesperadores, e realmente coloca os gatos no seu devido lugar.
"Macskafogó" pode ser dividido informalmente em três partes, pelo menos em relação à qualidade de cada uma. O primeiro 1/3 do filme é impecável, mostrando como os gatos querem realmente arrasar com os ratos, saqueando todos os seus bens, com atenção especial ao estoque de queijo. Como a maior parte está oculta em esconderijos subterrâneos inacessíveis, Mr. Teufel e Safranek bolam planos mirabolantes para terem acesso a este tesouro oculto. Por outro lado, a Intermouse não tem outra saída a não ser tirar Grabowski de sua aposentadoria, para que viaje a Póquio e descubra como o projeto secreto do Dr. Fushimisi pode ser a solução para o problema dos ratos.
Tudo flui maravilhosamente nesta parte, há sutilezas sensacionais no humor, como o charuto de Mr. Teufel em forma de rato, que perde o nariz ao ter a ponta cortada, ou quando Safranek diz algo que desagrada Mr. Teufel, e um laço de fumaça se forma em volta de seu pescoço. Mr. Teufel solta ainda a antológica frase "inferiores sempre devem amar seu chefe", momentos após ter praticamente desfigurado o pobre Safranek com sua mão robótica. E o auge chega quando somos apresentados a um vídeo promocional de "The 4 Gangsters", quatro ratos que se autoproclamam os maiores caçadores de ratos do Planeta X, mas não passam de um bando de enroladores e "posers"; me arrisco a dizer que este clipe talvez seja o momento mais inspirado de todo o filme.
Infelizmente, "Macskafogó" nunca volta a ter este mesmo nível de excelência. Seu terço do meio tem uma queda inacreditável na qualidade narrativa, focando-se quase completamente nos tais 4 Gângsteres, que se mostram personagens verdadeiramente insuportáveis, verborrágicos e burros. Aparece ainda um tal de Sargento Lusta Dick, cujas cenas são, na maior parte do tempo, totalmente idiotas e dispensáveis. E outra coisa incomoda muito: a inconsistência em relação a quem morre ou não na história. Em determinado momento, um acidente de avião causa a morte de praticamente todos a bordo; em outro momento, personagens num compartimento apertado recebem uma granada que explode na mão de um deles, e tudo o que acontece é ficarem levemente chamuscados. É como se o roteiro uma hora optasse em seguir um rumo mais realista, para no minuto seguinte virar uma verdadeira ode ao Coiote e ao Papa-Léguas.
A qualidade melhora bastante no terço final, com cenas de ação agitadas e bem-feitas, ainda que certas partes com alusões aos mexicanos e astecas sejam bobinhas e meio fora de lugar. E o final propriamente dito, sinceramente, foi uma bela de uma porcaria. A sensação que temos ao longo do filme é que tentaram deixá-lo mais infantil e engraçadinho rumo ao fim, e o resultado ficou uma coisa meio desconexa, com momentos tolos demais para uma animação mais séria, e outros um pouco pesados para uma animação mais infantil.
Claro que a questão cultural influencia muito, e talvez certas partes de humor funcionem melhor para os húngaros, mas apesar de ter gostado bastante de "Macskafogó", não o considero a obra-prima que tantas pessoas apregoam por aí. Tem momentos muito, muito bons, mas tem partes insuportáveis o suficiente para reduzir a satisfação geral que temos ao terminar de assisti-lo.
Marcelo Reis
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