sexta-feira, fevereiro 17, 2017

Anju to Zushio-Maru (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 17/02/2017

Alternativos: Anju and Zushiomaru, The Littlest Warrior
Ano: 1961
Diretor: Taiji Yabushita / Yugo Serikawa
Estúdio: Toei Animation
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 83 min
Gênero: Drama / Fantasia



"Anju to Zushio-Maru" é o 4° longa-metragem do estúdio Toei Animation (chamado à época Toei Dôga), e é baseado no conto "Sanshō Dayū", de Mori Ogai. Este conto também serviu de base para a obra-prima "O Intendente Sanshô", de Kenji Mizoguchi. Mas se o filme de Mizoguchi procura seguir uma linha mais realista e mantém intactos os aspectos mais cruéis do conto de Ogai, "Anju to Zushio-Maru" possui uma aura mais infantil (com direito até mesmo a bichos falantes), modificando alguns detalhes que poderiam ser muito fortes para crianças. Ainda assim, é uma obra permeada pela tristeza e por muitas tragédias, algo inesperado em algo voltado ao público infantil.

Anju e Zushio são irmãos, filhos do bondoso senhor feudal Masauji Iwaki e sua esposa Yashio. A família tem uma convivência feliz e unida, em comunhão com a natureza e os animais. Mas tudo começa a desandar quando Onikura, Governador da província de Mutsu, tenta forçar Iwaki a lhe dar a mão da bela Anju em casamento. Iwaki não quer, não apenas por Anju ainda ser muito nova, mas também porque não é isto o que a garota deseja.

Onikura, um homem desprezível, que caça animais sem piedade e não respeita nem mesmo as terras protegidas do Imperador, deixa no ar a iminência de uma ameaça que, infelizmente, não tarda a se tornar realidade. Masauji Iwaki é acusado injustamente de um crime, intimado a prestar contas ao Imperador na capital Kyoto. E a partir daí, começa uma espiral cada vez maior de injustiças e sofrimento para toda a família Iwaki. Não contarei mais detalhes para não estragar as surpresas, mas digo apenas que quando tudo parece melhorar, as coisas pioram ainda mais.

Um detalhe que chama a atenção de cara em "Anju to Zushio-Maru" é a qualidade técnica. Assim como a maioria das obras da Toei desta época, o estilo visual não tem muito a ver com o que estamos acostumados a associar com animes, estando mais próximos do que era produzido pela Disney. Os cenários em tons pastéis parecem pinturas, a animação é caprichadíssima, os personagens possuem movimentos fluidos e detalhados, além de feições mais próximas às dos próprios japoneses. Os personagens bonzinhos são bonitos e possuem faces quase angelicais, enquanto os vilões possuem feições animalescas ou olhares malignos, além de terem geralmente a pele mais morena (alguém falou "preconceito" aí?).


Para quem está acostumado a animações com efeitos em CGI pra todo lado, talvez seja complicado entender como era difícil realizar certas coisas numa era pré-computador. Hoje em dia, para criar efeitos de reflexos ou de água em movimento, isto é possível de ser feito com qualquer "engine" 3D, apenas com alguns cliques. Mas antigamente, a coisa era no braço mesmo. E é preciso se maravilhar com o que a equipe de animação da Toei conseguiu criar. A água corrente do rio, os reflexos dos personagens e cenários se movendo na água, o mar revolto estourando nas pedras: há um monte de pequenos detalhes como estes ao longo de toda a obra, que enriquecem ainda mais o visual desta bela animação.

Conforme comentei no início, existem algumas diferenças entre este anime e o filme de Mizoguchi, como as que já foram citadas. Mas algo ainda mais importante é a diferença de abordagem em relação ao comportamento dos personagens. Em "O Intendente Sanshô", Mizoguchi modificou alguns aspectos fantásticos da obra de Mori Ogai, para tentar deixar seu filme mais fincado na realidade: é evidente a importância de cada um tentar tomar as rédeas da própria vida para superar os infortúnios e, por tabela, enfrentar os abusos daqueles que estão no poder. Em "Anju to Zushio-Maru" há uma tentativa nada discreta de mostrar a necessidade de respeitar a vontade dos superiores, baixando a cabeça e aceitando qualquer decisão tomada pelos mesmos. A influência dos chefões da Toei neste aspecto foi tão forte que revoltou até mesmo a maioria dos artistas envolvidos no projeto - incluindo Isao Takahata, diretor-assistente deste anime - que repudiaram abertamente o resultado final.

E este aspecto dos personagens realmente incomoda: em grande parte da narrativa, eles são tão burros e passivos que dá vontade de bater a cabeça deles numa pedra, pra ver se pega no tranco. É verdade que algumas das tragédias que acontecem estavam fora do controle deles, mas muitas poderiam ser evitadas com um pouco mais de inteligência e malícia.

Outra coisa que, sinceramente, mais atrapalha do que ajuda é a presença dos animais falantes. Primeiro, porque adicionam uma pitada desnecessária de doçura em momentos que não necessitavam disto. Além disto, neste anime em especial, fica uma coisa meio sem nexo: apenas o urso e a ratinha que são amigos dos irmãos apresentam comportamento antropomórfico (falam, andam em pé, etc), enquanto os demais animais não falam nem nada. Numa obra cheia de elementos fantásticos como esta, não chegarei a ponto de exigir realismo, mas um pouco de coerência não faria mal algum: ou todos os bichos deveriam falar, ou nenhum.



Apesar destes pontos negativos que desagradam um pouco, "Anju to Zushio-Maru" é uma ótima animação do período clássico da Toei Animation. Seu conteúdo trágico definitivamente pode impressionar um pouco as crianças mais jovens, e o impacto emocional no espectador é praticamente garantido. Ah, e recomendo que procurem a versão original japonesa, com 83 minutos de duração, pois a versão americana chamada "The Littlest Warrior" é muito cortada e tem apenas 70 minutos de duração.


Marcelo Reis


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