Ano: 2009
Diretor: Mamoru Hosoda
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Duração: 114 min
Gênero: Aventura / Comédia / Drama / Sci-Fi
Logo após o sucesso estrondoso de "Toki o Kakeru Shoujo", era grande a expectativa para "Summer Wars", obra seguinte do diretor Mamoru Hosoda e baseada numa história original de sua autoria. Reunindo grande parte da equipe envolvida em "Toki Kake", como a roteirista Satoko Okudera e o desenhista de personagens Yoshiyuki Sadamoto, e com produção novamente a cargo da Madhouse, "Summer Wars" parecia extremamente promissor no papel... mas seria capaz de rivalizar com a quase perfeição atingida em "Toki Kake"?
OZ é a rede social mais popular do mundo. Acessível por computadores, celulares ou TV, o mundo virtual de OZ replica tudo o que existe no mundo real. Avatares permitem que o usuário tenha a aparência virtual que quiser, num mundo alegre e interativo onde se pode ter tudo. Governos e grandes empresas possuem representações em OZ, e cada vez mais as coisas no mundo real são afetadas e controladas pelo que ali acontece. Para manter a ordem e a segurança, além dos espíritos-guardiões de OZ chamados de John & Yoko, existem vários funcionários responsáveis pela manutenção constante da rede.
Os amigos Kenji e Takashi, estudantes do Ensino Médio no Colégio Kuonji, trabalham meio horário no mais baixo escalão de manutenção de OZ. Certo dia, durante o expediente, pinta a chance de fazerem um "bico" nas férias: Natsuki Shinohara, a garota mais popular da escola, precisa que alguém a acompanhe até sua cidade natal, Ueda, em Nagano, para a comemoração do aniversário de 90 anos da avó da garota... mas há apenas uma vaga. Kenji é selecionado, mas nunca poderia imaginar que aqueles quatro dias de viagem aparentemente tranquilos se transformariam numa aventura ensandecida, na qual ele estaria diretamente envolvido em eventos que aproximariam como nunca o mundo virtual do real, colocando em risco a sociedade e o mundo como os conhecemos.
"Summer Wars" já começa de forma arrasadora, ao mergulhar de cabeça dentro do mundo de OZ. O visual psicodélico com cores chapadas lembram muito o estilo de "Superflat Monogram", curta-metragem dirigido pelo próprio Hosoda, e a dimensão gigantesca daquele ambiente dá uma idéia muito clara da penetração daquela rede em todos os cantos do mundo. A atenção dada à necessidade de se mostrar um mundo virtual convincente e impactante foi grande a ponto da Madhouse praticamente usar uma equipe à parte apenas na criação deste universo.
É interessante notar como "Summer Wars" foi profético ao mostrar o surgimento de uma rede social dominante sobre todas as outras. Este artigo em particular - http://www.tracto.com.br/qual-rede-social-e-mais-usada-no-mundo/ - demonstra como o Facebook virou realmente a rede dominante num espaço de tempo de apenas 3 anos. E muita coisa já mudou de lá pra cá, em especial com a forte prevalência também do Twitter e do Whatsapp entre a população.
Mamoru Hosoda conseguiu captar muito bem todo o conceito ligado às redes sociais, que geram um mundo ao mesmo tempo paralelo e interligado à realidade em que vivemos. Se por um lado é muito bom reencontrarmos amigos distantes, conhecermos pessoas novas e divulgarmos projetos pessoais com mais eficiência, existe também o problema dos "trolls", do bullying virtual, de reputações destruídas em segundos. E em relação à sociedade informatizada como um todo, há ainda o risco nada desprezível de problemas no mundo virtual causarem problemas muito reais no dia-a-dia das pessoas: se a tecnologia falha, é quase como se voltássemos à idade da pedra. E esta possibilidade de gerar caos e anarquia é um prato cheio e tentador para os terroristas virtuais.
Lendo tudo isto, pode-se ter a impressão de que "Summer Wars" é um anime que pega pesado em jargões tecnológicos, na linha de "Ghost in the Shell", mas é justamente o contrário. "Summer Wars" é uma obra de narrativa ligeira, com um excelente equilibrio entre humor, ação, drama e comédia. E apesar de tudo o que se passa em OZ ser fundamental no desenrolar do enredo, o que acontece no mundo real é igualmente importante e divertido, em grande parte graças ao sensacional clã Jinnouchi.
Explicando melhor e indo à parte mais humana do anime. A bisavó de Natsuki, Sakae, é a matriarca do clã Jinnouchi, descendente de uma linhagem de samurais que remonta à era Tokugawa. Os homens da família lutaram várias guerras para manter território, tendo inclusive enfrentado e vencido o exército bem mais poderoso de Tokugawa. O respeito ganho em função disto permitiu que o clã Jinnouchi tivesse excelentes relações com os mais altos escalões do governo japonês e dos grandes conglomerados do Japão. Mas não é nisto que o coitado do Kenji pensa ao chegar na enorme fortaleza dos Jinnouchi, vendo aquela família imensa, barulhenta e curiosa pra saber quem é aquele rapaz que acompanha Natsuki, com direito a perguntas indiscretas e comentários pra lá de indecorosos.
"Summer Wars" possui momentos hilários, até mesmo com o uso de SD (Super Deform), e apesar de manter este tom leve ao longo de toda a narrativa, aos poucos vão sendo adicionados detalhes que tornam o enredo realmente tenso e emocionante rumo ao final. Há alguns planos visuais e transições incríveis, com destaque absoluto para a cena em que a inteligência artificial que começa a dominar OZ assume proporções assustadoras: tudo flui com a mais absoluta perfeição, e eu só conseguia pensar em como deve ter sido incrível ver esta cena em especial no cinema.
Os personagens são ao mesmo tempo um ponto forte e fraco em "Summer Wars". Não há o que reclamar deles em termos visuais, já que o desenho de Yoshiyuki Sadamoto, com seus traços simples, mas extremamente expressivos e bem animados, é sempre uma delícia de se ver. E não dá pra reclamar também da personalidade de cada um, já que todos são plausíveis, importantes na história e bem delineados. O problema é que não há aquele personagem marcante que fica na memória. Falar em "Akira" é lembrar de Kaneda e Tetsuo; pensou em "Berserk", e já lembramos de Guts, Griffith e Caska; "DBZ" traz imediatamente à mente Goku, Gohan, Vegeta, Trunks, entre outros. "Summer Wars" termina, você curte o que viu, mas não se lembra particularmente de nenhum personagem. Se pensarmos em "Toki Kake", um dos motivos para o anime ser tão incrível e marcante é porque nos envolvemos profundamente com a história de Makoto, o que não acontece em "Summer Wars".
Outro detalhe que incomoda um pouco é o fato de absolutamente tudo na história estar direta ou indiretamente ligado ao clã Jinnouchi. Esta já seria uma situação bem implausível caso os eventos estivessem ligados apenas ao Japão, mas em se tratando de problemas graves em escala global, é realmente difícil de engolir que a salvação do planeta esteja nas mãos de uma única família, por mais influente que ela seja.
Diretor: Mamoru Hosoda
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Duração: 114 min
Gênero: Aventura / Comédia / Drama / Sci-Fi
Logo após o sucesso estrondoso de "Toki o Kakeru Shoujo", era grande a expectativa para "Summer Wars", obra seguinte do diretor Mamoru Hosoda e baseada numa história original de sua autoria. Reunindo grande parte da equipe envolvida em "Toki Kake", como a roteirista Satoko Okudera e o desenhista de personagens Yoshiyuki Sadamoto, e com produção novamente a cargo da Madhouse, "Summer Wars" parecia extremamente promissor no papel... mas seria capaz de rivalizar com a quase perfeição atingida em "Toki Kake"?
OZ é a rede social mais popular do mundo. Acessível por computadores, celulares ou TV, o mundo virtual de OZ replica tudo o que existe no mundo real. Avatares permitem que o usuário tenha a aparência virtual que quiser, num mundo alegre e interativo onde se pode ter tudo. Governos e grandes empresas possuem representações em OZ, e cada vez mais as coisas no mundo real são afetadas e controladas pelo que ali acontece. Para manter a ordem e a segurança, além dos espíritos-guardiões de OZ chamados de John & Yoko, existem vários funcionários responsáveis pela manutenção constante da rede.
Os amigos Kenji e Takashi, estudantes do Ensino Médio no Colégio Kuonji, trabalham meio horário no mais baixo escalão de manutenção de OZ. Certo dia, durante o expediente, pinta a chance de fazerem um "bico" nas férias: Natsuki Shinohara, a garota mais popular da escola, precisa que alguém a acompanhe até sua cidade natal, Ueda, em Nagano, para a comemoração do aniversário de 90 anos da avó da garota... mas há apenas uma vaga. Kenji é selecionado, mas nunca poderia imaginar que aqueles quatro dias de viagem aparentemente tranquilos se transformariam numa aventura ensandecida, na qual ele estaria diretamente envolvido em eventos que aproximariam como nunca o mundo virtual do real, colocando em risco a sociedade e o mundo como os conhecemos.
"Summer Wars" já começa de forma arrasadora, ao mergulhar de cabeça dentro do mundo de OZ. O visual psicodélico com cores chapadas lembram muito o estilo de "Superflat Monogram", curta-metragem dirigido pelo próprio Hosoda, e a dimensão gigantesca daquele ambiente dá uma idéia muito clara da penetração daquela rede em todos os cantos do mundo. A atenção dada à necessidade de se mostrar um mundo virtual convincente e impactante foi grande a ponto da Madhouse praticamente usar uma equipe à parte apenas na criação deste universo.
É interessante notar como "Summer Wars" foi profético ao mostrar o surgimento de uma rede social dominante sobre todas as outras. Este artigo em particular - http://www.tracto.com.br/qual-rede-social-e-mais-usada-no-mundo/ - demonstra como o Facebook virou realmente a rede dominante num espaço de tempo de apenas 3 anos. E muita coisa já mudou de lá pra cá, em especial com a forte prevalência também do Twitter e do Whatsapp entre a população.
Mamoru Hosoda conseguiu captar muito bem todo o conceito ligado às redes sociais, que geram um mundo ao mesmo tempo paralelo e interligado à realidade em que vivemos. Se por um lado é muito bom reencontrarmos amigos distantes, conhecermos pessoas novas e divulgarmos projetos pessoais com mais eficiência, existe também o problema dos "trolls", do bullying virtual, de reputações destruídas em segundos. E em relação à sociedade informatizada como um todo, há ainda o risco nada desprezível de problemas no mundo virtual causarem problemas muito reais no dia-a-dia das pessoas: se a tecnologia falha, é quase como se voltássemos à idade da pedra. E esta possibilidade de gerar caos e anarquia é um prato cheio e tentador para os terroristas virtuais.
Lendo tudo isto, pode-se ter a impressão de que "Summer Wars" é um anime que pega pesado em jargões tecnológicos, na linha de "Ghost in the Shell", mas é justamente o contrário. "Summer Wars" é uma obra de narrativa ligeira, com um excelente equilibrio entre humor, ação, drama e comédia. E apesar de tudo o que se passa em OZ ser fundamental no desenrolar do enredo, o que acontece no mundo real é igualmente importante e divertido, em grande parte graças ao sensacional clã Jinnouchi.
Explicando melhor e indo à parte mais humana do anime. A bisavó de Natsuki, Sakae, é a matriarca do clã Jinnouchi, descendente de uma linhagem de samurais que remonta à era Tokugawa. Os homens da família lutaram várias guerras para manter território, tendo inclusive enfrentado e vencido o exército bem mais poderoso de Tokugawa. O respeito ganho em função disto permitiu que o clã Jinnouchi tivesse excelentes relações com os mais altos escalões do governo japonês e dos grandes conglomerados do Japão. Mas não é nisto que o coitado do Kenji pensa ao chegar na enorme fortaleza dos Jinnouchi, vendo aquela família imensa, barulhenta e curiosa pra saber quem é aquele rapaz que acompanha Natsuki, com direito a perguntas indiscretas e comentários pra lá de indecorosos.
"Summer Wars" possui momentos hilários, até mesmo com o uso de SD (Super Deform), e apesar de manter este tom leve ao longo de toda a narrativa, aos poucos vão sendo adicionados detalhes que tornam o enredo realmente tenso e emocionante rumo ao final. Há alguns planos visuais e transições incríveis, com destaque absoluto para a cena em que a inteligência artificial que começa a dominar OZ assume proporções assustadoras: tudo flui com a mais absoluta perfeição, e eu só conseguia pensar em como deve ter sido incrível ver esta cena em especial no cinema.
Os personagens são ao mesmo tempo um ponto forte e fraco em "Summer Wars". Não há o que reclamar deles em termos visuais, já que o desenho de Yoshiyuki Sadamoto, com seus traços simples, mas extremamente expressivos e bem animados, é sempre uma delícia de se ver. E não dá pra reclamar também da personalidade de cada um, já que todos são plausíveis, importantes na história e bem delineados. O problema é que não há aquele personagem marcante que fica na memória. Falar em "Akira" é lembrar de Kaneda e Tetsuo; pensou em "Berserk", e já lembramos de Guts, Griffith e Caska; "DBZ" traz imediatamente à mente Goku, Gohan, Vegeta, Trunks, entre outros. "Summer Wars" termina, você curte o que viu, mas não se lembra particularmente de nenhum personagem. Se pensarmos em "Toki Kake", um dos motivos para o anime ser tão incrível e marcante é porque nos envolvemos profundamente com a história de Makoto, o que não acontece em "Summer Wars".
Outro detalhe que incomoda um pouco é o fato de absolutamente tudo na história estar direta ou indiretamente ligado ao clã Jinnouchi. Esta já seria uma situação bem implausível caso os eventos estivessem ligados apenas ao Japão, mas em se tratando de problemas graves em escala global, é realmente difícil de engolir que a salvação do planeta esteja nas mãos de uma única família, por mais influente que ela seja.
"Summer Wars" tem algo que lembra "Jogos de Guerra", de John Badham, mas com uma abordagem muito mais leve. É uma animação que reflete bem a época em que vivemos, em que os "nerds" outrora desprezados agora ocupam posição de destaque nos mais variados campos. Serve ainda de alerta para o risco de se deixar tantas coisas vitais sujeitas a ataques via rede: basta ver o estrago causado pelo vírus Stuxnet nas centrais nucleares iranianas. Mas, acima de tudo, "Summer Wars" é um anime divertido e delicioso de se ver, mais uma excelente obra no currículo de Mamoru Hosoda, que caminha a passos largos para se tornar um dos grandes nomes da animação japonesa.
Marcelo Reis