terça-feira, dezembro 16, 2014

The Tibetan Dog (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 16/12/2014

Alternativos: Tibet Inu Monogatari: Kin'iro no Dao Jie
Ano: 2011
Diretor: Masayuki Kojima
Estúdio: Madhouse
País: China / Japão
Episódios: 1
Duração: 90 min
Gênero: Aventura / Drama / Mistério



Baseado no livro "Zàng'áo" (Tibetan Mastiff), best-seller chinês de autoria de Yang Zhi Jun, "The Tibetan Dog" é uma co-produção entre China e Japão. Sendo mais específico, o financiamento foi todo chinês (China Film Group Corporation), mas a produção propriamente dita é inteiramente japonesa, cortesia de nossa velha conhecida Madhouse. Os diálogos originais foram gravados em mandarim, o que dá um pouco mais de autenticidade à obra, uma vez que ela se passa no Tibete. Convenhamos, teria sido muito mais interessante se os diálogos fossem em tibetano, mas seria pedir demais, ainda mais sendo uma obra financiada pela China.

A história é narrada por um senhor de meia-idade, Tenzing, que conta fatos ocorridos em sua própria infância. Tenzing saiu da cidade de Xi'an aos 10 anos de idade, após o falecimento de sua mãe chinesa, e foi procurar seu pai, Lhakpa, no Tibete. Lhakpa é de origem tibetana, conheceu a mãe de Tenzing na Faculdade de Medicina, e após se formarem como médicos e se casarem, foram morar no Tibete, pois ele queria usar seus conhecimentos médicos para ajudar a população carente da região - por atendê-los de graça, Lhakpa ganha a vida como pastor de ovelhas. Mas a mãe de Tenzing não se adaptou ao ambiente e ao estilo de vida tibetano, e acabou indo embora e levando o garoto ainda bebê consigo. Por esta razão, Tenzing mal conheceu o pai.

Tenzing não tem motivos para comemorar. Perdeu a mãe que tanto amava, o pai recebeu-o em sua tenda de forma fria e distante, a adaptação aos costumes e ao ambiente tão diferentes não tem sido nada fácil e, pra piorar, os garotos da região praticam "bullying" com ele. Ainda que Sonam, amigo de seu pai, e o cãozinho Wala tentem ajudá-lo a se adaptar e curtir a nova vida, Tenzing sofre com a distância do pai, do qual guarda rancor por ele não ter ficado ao lado da mãe quando ela mais precisava de apoio. Mas a entrada em cena de um belo e desconhecido mastim tibetano, de pelagem espessa e dourada, pode mudar completamente a vida do garoto e, por tabela, de todos os habitantes da região.

"The Tibetan Dog" poderia ter se tornado uma animação melodramática ou excessivamente edificante mas, felizmente, há um ótimo equilíbrio entre drama, ação e até um pouco de suspense. A relação que surge entre Tenzing e o mastim dourado evolui com naturalidade, já que ambos são forasteiros naquela aldeia; os problemas de relacionamento entre pai e filho são retratados de forma realista - Tenzing quer aproximar-se e saber mais sobre seu passado, enquanto Lhakpa mantém distância, pois quer que o filho seja forte e independente; a dor de Tenzing neste duro processo de adaptação à nova realidade em meio ao luto pela morte da mãe é palpável e convincente, e a flauta que recebeu de presente da mãe aparece em um momento particularmente tocante do filme, representando muito bem o amor e compreensão que havia entre ambos.


Ainda que exista uma certa aura Disney aqui e ali no tocante à amizade entre Tenzing e o mastim tibetano, chamado pelo garoto de Doogee (ou Do-khyi em tibetano), e também em relação ao cãozinho Wala, que serve como alívio cômico em várias partes da animação, "The Tibetan Dog" possui um clima mais pesado e adulto. Pessoas e animais começam a aparecer mortos pela ação de um assassino misterioso, que parece matar pelo simples prazer de fazê-lo. Estas mortes levam a boatos sobre a existência de um demônio assassino, e como o mastim dourado surgiu na região mais ou menos no mesmo período, as suspeitas começam a cair sobre ele.

Além de Tenzing, Lhakpa e Doogee, outros personagens importantes são Medhram, bela aprendiz de Lhakpa que quer pegar as melhores características existentes nas medicinas ocidental e chinesa, atua como importante apoio emocional a Tenzing; Amala, uma velha trambiqueira que vende poções inúteis aos aldeões, se acha a dona de pedaço mas morre de medo de Lhakpa; Norbu, neto de Amala, nutre grande curiosidade por Tenzing desde sua chegada, participa a contragosto de uma sessão de "bullying" contra o garoto mas acaba tornando-se seu amigo; Gyalo, o implacável líder de um bando de ladrões da região, possui um trato de não-agressão mútua com os habitantes da aldeia, mas começa a perder a sanidade quando sente de perto a dor causada pelo "demônio assassino"; e Tering, ancião e líder espiritual da aldeia, possui grande ascendência moral sobre todos na região, inclusive sobre a gangue de Gyalo.

Ainda que Doogee seja o principal mastim tibetano nesta animação, a raça como um todo é fundamental na narrativa. Os mastins tibetanos são cães desconfiados, que custam a se abrir para outras pessoas. Fortíssimos, defendem rebanhos e pessoas, mas os machos disputam fortemente o território com embates violentos e sangrentos. Para sobreviver numa região tão inóspita, com ar rarefeito e mudanças climáticas radicais, só mesmo uma raça tão especial quanto esta. E a Madhouse fez um trabalho de animação brilhante para representá-la à altura, tendo inclusive um diretor de animação específico para os animais: um ótimo trabalho de Kazutaka Ozaki.

Se alguém notar semelhanças entre o desenho de personagens em "The Tibetan Dog" e obras como "Monster" e "Master Keaton", não é mera coincidência, ja que Naoki Urasawa é responsável por esta função nesta animação, ao lado de Shigeru Fujita, também presente nos animes de "Monster" e "Master Keaton". E as ligações com estas duas obras não param por aqui, já que o diretor Masayuki Kojima também dirigiu os dois animes supracitados. 

O traço de Urasawa, como sempre, é excepcional, com personagens de feições muito diferentes entre si e uma expressividade impressionante no olhar. Mas se alguém merece muito crédito pelo visual estonteante de "The Tibetan Dog", esta pessoa é Yuji Ikeda. O diretor de arte em obras visualmente incríveis como "Fushigi Yuugi" e "The Heroic Legend of Arslan" conseguiu retratar o Tibete em todo o seu esplendor, tanto nas cenas ensolaradas em meio às pradarias quanto nos momentos agoniantes entre os grandiosos picos do Himalaia. Tudo isto, aliado à bela trilha sonora de Shusei Murai (Silver Spoon 1 e 2) repleta de temas orquestrais e percussões típicas tibetanas, torna "The Tibetan Dog" um verdadeiro banquete sensorial.



Sinto uma certa tristeza ao saber que "The Tibetan Dog" foi um fracasso terrível de bilheteria na China - com um custo de aproximadamente US$9 milhões, mal arrecadou US$200 mil nos cinemas chineses. É uma animação de excelente qualidade técnica, com uma narrativa empolgante e nada piegas sobre amizade e amadurecimento, personagens realistas e bem desenvolvidos e um ótimo equilíbrio entre ação e drama.


Marcelo Reis


 

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