OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 28/11/2016
Ano: 2000
Diretor: Chris Huang
Estúdio: Pili International Multimedia
País: Taiwan
Episódios: 1
Duração: 99 min
Gênero: Ação / Fantasia / Drama / Luta
O "budaixi" é uma forma de teatro de fantoches bastante popular em Taiwan, sendo uma das principais formas de entretenimento do país há muitos e muitos anos. O "wuxia", termo que engloba obras literárias e cinematográficas de artes marciais chinesas, geralmente ambientadas nos períodos correspondentes aos reinados das grandes dinastias da China, também desfruta de grande popularidade, não apenas em Taiwan, mas no mundo todo.
Em 1988, a família Huang, provavelmente a mais renomada e capacitada trupe de titereiros de Taiwan e que, em 1991, fundaria o estúdio Pili International Multimedia, resolveu unir estas duas grandes paixões dos taiwaneses, criando a série de TV "Pili", que significa "trovão" em Min-Nan, dialeto chinês falado em algumas partes da China e de Taiwan. "Pili" se tornou um grande sucesso, e novos episódios são produzidos até hoje: um exemplo impressionante de longevidade.
"Legend of the Sacred Stone", longa-metragem produzido no ano 2000, é um "spin-off" da série "Pili". Há 400 anos, Wulin, o mundo das artes marciais, é ameaçado por um demônio chamado Mo Kuei. O grande sábio Su Huen-Jen convoca os herdeiros das três maiores escolas para ajudar a evitar este desastre. Membros de Shaolin, Wudang e várias outras escolas se reúnem no Monte Tianjin para encurralar Mo Kuei. Após uma longa batalha com os herdeiros das grandes escolas, Mo Kuei é derrotado, e Su Huen-Jen prepara uma armadilha para prendê-lo eternamente.
Bem, a história e a narrativa nem de longe são os maiores trunfos desta animação, o que é ainda mais prejudicado pela versão mais comum disponível em inglês. O filme original sem cortes, com 120 minutos, foi lançado apenas em Taiwan e sem legendas. Foi lançada uma versão no Japão com legendas em inglês, mas apenas 99 minutos de duração e extremamente mal-editada. O resultado é um filme confuso, com ritmo irregular - cenas longuíssimas e maçantes são seguidas por outras completamente truncadas e corridas. Muita gente reclama que alguns "wuxias" dirigidos por Chor Yuen na época do estúdio Shaw Brothers são confusos - acreditem: vocês não viram nada.
Mas, enfim, se alguém se interessa pela historinha baba, basta dizer que Jian Jun, um dos três herdeiros da batalha original e desfigurado por um incêndio, quer a todo custo tomar posse da "Pedra do Paraíso", capaz de conceder qualquer desejo ao seu portador. Desta forma, ele poderia voltar a ter sua antiga aparência e, de quebra, destruir o grupo de demônios chamado "Os Hostis", que querem usar a "Pedra do Paraíso" para ressuscitar Mo Kuen.
Se a história é bem chinfrim e mal-contada, com um abuso de dramalhões, clichês, diálogos expositivos e tudo o mais, não dá pra reclamar da produção propriamente dita. Os fantoches são muito expressivos e bem-detalhados, com figurinos que parecem ter saído direto de um filme dos Shaw Brothers. Grande parte dos cenários consiste de maquetes impressionantes - mais uma vez, parecem aqueles cenários suntuosos que ocupavam o enorme estúdio dos Shaw Brothers em Hong Kong, só que em tamanho miniatura. Existe um pouco de CGI de qualidade duvidosa aqui e ali mas, no geral, quase todos os efeitos utilizados são práticos, e funcionam que é uma beleza!
E em se tratando de uma animação ligada a artes marciais, muitos devem estar se perguntando: e as lutas? Podem ficar tranquilos, pois a ação é simplesmente sensacional! A equipe do Pili não apenas demonstra um talento impressionante na manipulação dos fantoches, mas também usa cortes de câmera e zooms com extrema competência, para dar ritmo e gerar tensão e emoção durante os combates. Quem diria que seria possível criar lutas tão empolgantes e bem coreografas usando apenas fantoches?
Todas as vozes dos personagens, incluindo mulheres, são feitas pela mesma pessoa, Vincent Huang. Ainda que o trabalho dele seja realmente muito bom, confesso que me decepcionei um pouco em alguns momentos. Primeiro, porque alguns personagens masculinos possuem praticamente a mesma voz, o que gera uma certa confusão em algumas cenas. Segundo, porque no caso de uma personagem feminina importante da história - Ru Bing, filha de Jian Jun - é óbvio que um homem está fazendo a voz da mulher, fazendo com que cenas dramáticas acabem ficando involuntariamente engraçadas e um pouco ridículas.
A trilha sonora é um pouco psicótica: em alguns momentos, temas orquestrais e solenes combinam bem com as cenas, mas em alguns outros momentos, entra uma trilha sonora eletrônica que, apesar de legal, não combina em nada com um "wuxia". Próximo ao final, então, durante uma luta feroz entre dois personagens, entra uma música totalmente nada a ver, mais parecida com "surf music" dos anos 50, tirando toda a emoção e a força da cena.
"Legend of the Sacred Stone" é uma obra estranha. Vale muito a pena assistir, nem que seja apenas para admirar os fantoches, as lutas e os cenários, mas fica aquela sensação incômoda de que esta obra tecnicamente impressionante poderia ter ido muito mais longe. Tomara que as obras mais recentes do Pili, como o longa "The Arti" e a série para TV "Thunderbolt Fantasy", esta última uma co-produção com o Japão, não sejam incríveis apenas na parte técnica, mas também em relação ao conteúdo e à narrativa.
Marcelo Reis
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