OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 31/03/2017
Ano: 2005
Diretor: Takashi Annou
Estúdio: Sunrise
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 40 min
Gênero: Drama / Sci-Fi
Entre 2002 a 2008, o canal japonês de TV a cabo Animax realizou o Animax Awards (ou Animax Taishou, em japonês), para premiar os melhores roteiros originais de animes criados por todo o Japão. O roteiro premiado em cada ano ganharia uma versão em anime produzida por um grande estúdio de animação japonês, e seria exibido no ano seguinte no próprio Animax. Maya Miyazaki foi a vencedora em 2004, com o roteiro "Hotori - Tada Saiwai o Koinegau", e sua versão animada, produzida pela Sunrise, estreou em 2005.
"Hotori" se passa em 2034, época em que a tecnologia utilizada em robôs evoluiu a ponto de existirem as chamadas "Fábricas de Personalidades". Nestas fábricas, é possível inserir aos poucos as memórias de uma pessoa já falecida em um robô de aparência humanóide perfeita para que ele possa, de certo modo, substituir o ente querido ausente e minimizar a dor e o sofrimento daqueles que continuam vivos.
Suzu é um robô que está sendo treinado para substituir Ryou Ogura, um garoto que morreu devido a uma doença incurável. A enfermeira Usui, responsável por inserir as memórias em Suzu e treiná-lo, está satisfeita com o progresso do "pupilo". O garoto é capaz de se emocionar com coisas que gosta, como desenhos animados, tem movimentos corporais naturais, mas ainda faltam arestas a ser aparadas: ele ainda tem uma lógica um pouco rígida, com dificuldades para entender certas sutilezas da comunicação, mas nada muito sério.
Certo dia, Suzu vê aberta a porta de uma mansão vizinha à Fábrica de Personalidade, e lá dentro conhece Hotori. Filha do Prof. Shimizu, pesquisador-chefe da Fábrica, Hotori sofre de uma doença também incurável que é o oposto da situação de Suzu: enquanto o robô recebe novas lembranças diariamente, a garota perde um pouco de sua memória a cada dia: do nada, sem aviso prévio, ela tem uma crise, se desliga e, ao voltar, não se lembra do que aconteceu momentos antes. Irremediavelmente, chegará o dia em que Hotori não se lembrará de mais nada.
Por se tratar de um especial de TV, "Hotori" possui uma animação simples, mas eficiente. O desenho de personagens é expressivo, com olhos gigantescos que ocupam 1/3 da cara de Suzu e Hotori, mas relativamente genérico, especialmente em relação aos personagens secundários. A trilha sonora possui belos temas em piano e violão, às vezes com algumas seções de violino, que cumprem bem o seu papel sem serem muito intrusivos ou excessivamente dramáticos.
O roteiro basicamente gira em torno das situações opostas de Hotori e Suzu, e os dramas enfrentados não só por cada um, mas também pelas pessoas à sua volta. Hotori sabe que sua situação é irreversível, tem medo de não ser mais ela mesma caso perca todas as lembranças do passado. Seu irmão mais velho, Tatsuki, sofre com a degeneração gradual da irmã, e pressiona o pai para que ele transfira as memórias de Hotori para um robô, como os pais de Ryou Ogura fizeram com Suzu. O pai poderia fazer isto, mas não quer ter apenas uma imitação de sua filha ao seu lado. Suzu, por outro lado, começa a ter dificuldades em saber quem ele realmente é, não apenas por receber diariamente novas memórias de Ryou mas, principalmente, porque estas memórias começam a se misturar com aquelas que ele próprio criou ao longo de sua "vida". Onde começa Suzu e onde termina Ryou?
O problema principal de "Hotori" é sua curta duração: não dá pra desenvolver bem a história em apenas 40 min. Situações que deveriam evoluir de forma mais cadenciada acontecem muito rapidamente, impedindo que transmitam a emoção desejada ao espectador. Para piorar, enquanto a primeira metade possui um ritmo bem controlado e instigante, a segunda metade descamba para o dramalhão, tentando praticamente nos empurrar goela abaixo que tudo aquilo é triste demais e que temos que chorar de qualquer maneira.
Como acontece em muitos animes, os robôs são excessivamente humanizados: quando isto acontece, é muito difícil enxergarmos ali um robô que tenta entender quem ele é, e o que significa ser humano, pois ele já é humano demais. Outras obras conseguiram abordar esta questão com muito mais propriedade (Ghost in the Shell, The Time of Eve, etc). E o mesmo acontece com o lance da perda de memória de Hotori: o espectador sabe do problema muito mais porque a garota repete isto sem parar, do que por realmente sentir o peso e a dor de tudo aquilo. Comparado a outros animes que tratam de um tema similar (Kaiba, ef - a tale of memories), "Hotori" perde feio.
Não dá pra dizer que "Hotori" não é tão bom por contar com um diretor ruim ou inexperiente no comando, tendo em vista que Takashi Annou dirigiu nada menos que o excepcional "Maison Ikkoku". E dificilmente o roteiro de Maya Miyazaki seria premiado no "Animax Awards" em meio a tantos inscritos se fosse realmente fraco. Mas alguma coisa definitivamente se perdeu no meio do caminho, transformando uma obra com muito potencial em um anime apenas mediano.
Marcelo Reis