quarta-feira, outubro 26, 2016

Inochi no Chikyuu - Dioxin no Natsu (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 26/10/2016

Alternativos: Tracing the Gray Summer, The Life on the Earth - The Summer of Dioxin
Ano: 2001
Diretor: Satoshi Dezaki
Estúdio: Magic Bus
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 83 min
Gênero: Drama



Analisar uma obra como "Inochi no Chikyuu - Dioxin no Natsu" é uma tarefa complicada. Por um lado, é louvável a iniciativa do estúdio Magic Bus de criar uma animação para cobrir uma verdadeira catástrofe ocorrida na Itália em 1976, mais especificamente na cidade de Seveso. Por outro lado, é triste constatar que, apesar das boas intenções e do esforço dos envolvidos, "Inochi no Chikyuu - Dioxin no Natsu" é uma obra audiovisual com muitas falhas, com escolhas narrativas totalmente erradas para a abordagem de um tema tão sério.

Para saber mais detalhes em relação ao Acidente de Seveso, confiram o excelente artigo disponível no link http://inspecaoequipto.blogspot.com.br/2014/06/caso-074-o-legado-de-seveso-italia-1976.html.

Usando esta história real como pano de fundo, o anime começa mostrando a família da jovem Giulia Bianchi, que está recebendo amigos e parentes para a comemoração de seu aniversário. Este dia de festa e alegria sofre uma trágica reviravolta com a explosão de um dos reatores da indústria química ICMESA, localizada bem perto de Seveso, liberando uma nuvem gigantesca e ameaçadora sobre toda a região, cobrindo tudo com uma poeira branca e irritante.

Inicialmente, acreditava-se que o vazamento havia liberado apenas triclorofenol, composto quase inofensivo para animais e seres humanos. Por esta razão, a população continuou a tocar a vida como se nada tivesse ocorrido. Mas quando animais começam a morrer em massa e muitos habitantes adoecem sem motivo aparente, Giulia e seus amigos, com a ajuda do jornalista japonês Shiro Ando, resolvem investigar o problema. A verdade é muito mais assustadora: a temperatura excessiva do reator provocou uma reação química no triclorofenol, transformando-o em dioxina, um veneno mortal e poderoso.


Acidentes desta magnitude são sempre assustadores, e mostram como o equilíbrio do meio-ambiente está sempre por um fio em regiões com grandes concentrações de indústrias, empresas de mineração, etc. Uma das lembranças mais marcantes de minha infância são as imagens do terrível desastre em Bhopal, na Índia, em 1984 (http://diariobombeirocivil.blogspot.com.br/2014/06/bhopal-o-pior-acidente-quimico-do-mundo.html), naquele que é considerado até hoje o pior acidente químico de todos os tempos. E não precisamos ir tão longe: basta a gente se lembrar do que aconteceu aqui mesmo, no Brasil, no desastre de Mariana em 2015 (http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/05/politica/1446760230_611130.html). A falta de fiscalização, o descaso com as normas ambientais vigentes e a busca incessante pelo lucro, entre outras coisas, geram um coquetel perigoso que pode resultar em catástrofes como as citadas anteriormente.

Enfim, em relação a "Dioxin no Natsu", o anime tem um andamento exemplar mais ou menos até a metade. O espectador consegue sentir a gravidade da situação e o desespero e revolta da população, especialmente porque as autoridades e a diretoria da Hoffmann-La Roche, proprietária da ICMESA, esconderam a verdade por tempo demais e demoraram a tomar providências efetivas em relação ao problema. O anime tem cenas bem fortes mostrando as mortes dos animais e o sofrimento da população com as doenças que vão surgindo, em especial entre crianças e idosos.

Tecnicamente, "Dioxin no Natsu" é uma obra eficiente. A animação não é fantástica, mas dá conta do recado com sobras, e o desenho de personagens de Setsuko Shibuichi (Tobira o Akete) é agradável, lembrando um pouco o trabalho de Yoshiyuki Sadamoto (Evangelion, Gunbuster).

O problema com este anime começa quando o dramalhão e a implausibilidade começam a tomar conta. A impressão é que o diretor Satoshi Dezaki (Tobira o Akete, They Were 11) quis agradar a todo mundo, e ao invés de manter uma abordagem séria e realista, resolveu adicionar detalhes mais adequados a "shounens". Não havia motivo, por exemplo, para que toda a investigação ficasse a cargo de um grupo de crianças, com direito até mesmo a um enfrentamento cara-a-cara com os diretores da Hoffmann-La Roche. E claro que não faltam as bravatas infantis, a gritaria, o dramalhão, coisas que definitivamente não combinam com o que vinha sendo apresentado desde o início. Pena que Satoshi Dezaki e sua equipe não se inspiraram no belo "A Dog of Flanders", um anime que conseguiu manter do início ao fim uma coerência narrativa que se adequava perfeitamente à história retratada.



Mesmo com os problemas sérios citados, recomendo "Inochi no Chikyuu - Dioxin no Natsu". Não é um anime memorável, longe disto, mas a tragédia de Seveso é uma história que merece ser conhecida, especialmente pelos mais jovens, para que se conscientizem da importância de cobrar dos governantes uma política rígida de fiscalização, de modo que desastres como este nunca mais se repitam.


Marcelo Reis