sexta-feira, novembro 28, 2014

Princess Iron Fan (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 28/11/2014

Alternativos: Tie shan gong zhu
Ano: 1941
Diretor: Wan Guchan / Wan Laiming
Estúdio: Xinhua Film Company
País: China
Episódios: 1
Duração: 73 min
Gênero: Aventura / Fantasia / Infantil



"Jornada ao Oeste", de Wu Cheng'en, é um dos Quatro Grandes Clássicos da literatura chinesa, ao lado de "A Margem da Água", de Shi Nai'An; "Romance dos Três Reinos", de Luo Guanzhong; e "O Sonho da Câmara Vermelha", de Cao Xueqin. Estes livros são uma leitura quase obrigatória para os chineses há séculos, e suas histórias deram origem a várias obras no teatro, cinema, música e outras artes. No mundo ocidental, "Jornada ao Oeste" é geralmente lembrado como a obra que serviu de inspiração a Akira Toriyama ao escrever seu super sucesso "Dragon Ball", mas também deu origem à série "Saiyuki" e suas continuações, que conta esta história com uma roupagem mais modernosa. Vale lembrar também dos quatro ótimos filmes dirigidos por Ho Meng-Hua na década de 60 para o estúdio Shaw Brothers: "Monkey Goes West", "Princess Iron Fan", "Cave of the Silken Web" e "The Land of Many Perfumes".

Em "Jornada ao Oeste", o monge Tang Xuanzang deve fazer uma peregrinação à Índia, para coletar as escrituras sagradas do Budismo. Durante este jornada longa e perigosa, o monge contará com a ajuda e proteção de Sun Wukong (o poderoso e inteligente Rei Macaco), Zhu Bajie (meio homem, meio porco, preguiçoso, glutão e meio tarado) e Sha Wujing (ajudante leal, bom de briga, gago e meio burro). Entre as literalmente centenas de aventuras vivenciadas pelo quarteto, "Princess Iron Fan" sempre foi uma das mais cultuadas e famosas. Além do filme supracitado dirigido por Ho Meng-Hua, ainda houve um filme mudo produzido em 1927, e uma animação lançada em 1941 - esta resenha, logicamente, analisa a versão animada.

"Princess Iron Fan" é considerado o 1º longa-metragem de animação chinês, e foi dirigido pelo irmãos gêmeos Wan Guchan e Wan Laiming, dois grandes pioneiros da indústria de animação chinesa. Produzido durante o difícil período da ocupação japonesa em Xangai nas décadas de 30 e 40, "Princess Iron Fan" levou três anos para ser finalizado, e apresenta uma interessante mistura de características tipicamente chinesas com outras bem ocidentais. A trilha sonora, por exemplo, possui algumas passagens com instrumentos e escalas musicais orientais, mas várias passagens parecem saídas de uma animação de Max Fleischer. E se alguns cenários parecem pinturas em aquarela - algo que se tornaria marca registrada em futuras animações dos irmãos Wan e também de Te Wei - outras possuem um aspecto quase fotográfico.

Deixando a parte técnica temporariamente de lado, "Princess Iron Fan" narra um episódio vivido pelo quatro peregrinos ao tentarem atravessar a Montanha Ardente. Sem entenderem por que razão faz tanto calor na região, o monge Tang e seus seguidores são informados que um incêndio eterno se espalha por quilômetros em direção ao oeste. Por esta razão, a grama não cresce na região, todas as estações do ano são abrasadoras, e é impossível atravessar a montanha.


Os peregrinos ficam sabendo ainda que a Princesa Leque-de-Ferro possui um poderoso leque mágico de folha-de-palmeira. Se for agitado uma vez, o fogo é apagado; se agitado pela segunda vez, começa a soprar um forte vento; e se agitado uma terceira vez, uma forte chuva começa a cair. Por acreditar ser esta solução para os seus problemas, o monge Tang ordena aos seus discípulos que peçam emprestado o leque à Princesa. Eles não poderiam esperar que, em função de algumas desavenças antigas, ela não estará muito disposta a ajudar, e começa um verdadeiro jogo de gato-e-rato para ver quem sairá vencedor ao final.

Desde o início, dá para perceber como os irmãos Wan e sua equipe dominam bem as técnicas de animação, ainda que alguns momentos passem uma forte sensação de experimentalismo, como se quisessem aproveitar o longa-metragem para testarem o máximo possível de técnicas. A movimentação dos personagens, apesar de fluida, possui aquela sensação de falsidade típica de animações daquele período: ninguém parece ter peso, aparentam flutuar no ambiente, com movimentos engraçados e meio "líquidos". Buscando cortar o máximo de custos em função do período de guerra em que se encontravam, foi utilizada extensivamente a rotoscopia, técnica muito comum nas primeiras produções da Disney, na qual os movimentos de pessoas reais eram gravados em película, e os desenhos eram feitos depois por cima destas imagens. Se é verdade que a animação fica bem fluida e realista, isto também pode gerar uma estranheza tremenda nas expressões faciais, como ocorre com frequência em "Princess Iron Fan" - em alguns momentos, dá a impressão de que alguns personagens estão prestes a ter um derrame.

Mas se estas estranhezas são aceitáveis, infelizmente a narrativa é muito errática, conseguindo deixar uma animação de apenas 73min extremamente monótona. Algumas sequências se alongam muito além do necessário, há muitos diálogos expositivos e repetitivos, cortes de cena estranhos, movimentos de câmera meio "bêbados". A parte sonora também apresenta problemas. Não posso dizer se esta questão está ligada ao mau estado de conservação da cópia, mas a trilha sonora é muito mais alta que os diálogos, e ainda tem o agravante de não parar em quase nenhum momento - assistir a uma animação com a música berrando nos ouvidos do início ao fim chega a ser estressante.

Quem leu o livro sabe que as lutas são grandiloquentes, com direito a montanhas que se abrem, oceanos que enlouquecem e assim por diante. Isto não acontece aqui: temos apenas briguinhas bobas e simples, como se fossem lutas ensaiadas para uma peça de escola. Mas como a animação é voltada para moldar o caráter infantil (não desanimar frente aos obstáculos, trabalhar juntos pela vitória), talvez a abordagem mais simplista dos embates tenha sido correta, enfatizando a cooperação, não o heroísmo solitário.

Ah, e quase me esqueço de comentar! Acreditem se quiser, mas mesmo sendo uma animação mais infantil produzida na década de 30, há uma cena de semi-nudez feminina em meio a uma ventania. Ousadia é isto aí!



Eu adoraria poder dizer que "Princess Iron Fan" é uma excelente obra, mas infelizmente eu estaria mentindo. Mas mesmo com todos os problemas narrativos, vale pela curiosidade histórica e para ver o quanto os irmãos Wan evoluíram como animadores e narradores com o passar dos anos - assistam a "Uproar in Heaven" para tirarem a prova.


Marcelo Reis


 

segunda-feira, novembro 24, 2014

Ponyo - Uma Amizade Que Veio do Mar (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/11/2014

Alternativos: Gake no Ue no Ponyo, Ponyo on the Cliff by the Sea
Ano: 2008
Diretor: Hayao Miyazaki
Estúdio: Studio Ghibli
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 101 min
Gênero: Aventura / Magia / Fantasia



Após a recepção morna de público e crítica ao longa-metragem "Gedo Senki", com o qual seu filho Gorô Miyazaki estreou como diretor, Hayao Miyazaki voltou à ativa com este delicioso "Ponyo", provavelmente o longa-metragem mais infantil produzido pelo Studio Ghibli. Ainda que levemente inspirado no conto "A Pequena Sereia", de Hans Christian Andersen, "Ponyo" é uma criação original de Hayao Miyazaki, que assumiu ainda as funções de roteirista e diretor na produção deste anime. E como acontece com quase toda animação produzida pelo Studio Ghibli, "Ponyo" foi um sucesso arrasador nas bilheterias japonesas, além de ter vencido em várias categorias no Tokyo Anime Awards 2009 e no 32º Japan Academy Prize Association.

Uma peixinha dourada com cara de gente vive numa pequena redoma submarina ao lado do pai, um cientista-mago chamado Fujimoto, e suas várias irmãzinhas mais jovens e minúsculas. Brunhilde, a tal peixinha, adora dar umas escapadinhas da tal redoma e, montada nas costas de alguma água-viva, subir até a superfície para tomar um delicioso banho de sol.

Numa destas escapadelas, alguns acontecimentos acabam levando Brunhilde até a beira de um penhasco, no alto do qual moram o garoto Sousuke e sua mãe Lisa. Ao descer até a beira do mar para brincar na água com seu barquinho de brinquedo, Sousuke vê aquela manchinha avermelhada e aparentemente desmaiada na água... e deste encontro casual surge uma bela amizade entre o garoto e aquela peixinha um tanto estranha, agora chamada de Ponyo por Sousuke.

Em "A Pequena Sereia", a personagem-título quer se transformar em humana para poder viver ao lado de seu grande amor, mesmo correndo o risco de morrer no processo. Em "Ponyo" acontece mais ou menos o mesmo, ainda que o amor aqui seja algo mais pueril. No afã de se tornar humana para poder curtir a vida ao máximo ao lado de seu amigo Sousuke, Ponyo está disposta a tudo, mesmo que os efeitos decorrentes deste ato possam ser literalmente catastróficos.



Um anime do Ghibli é sempre garantia de deixar o espectador de queixo caído com o visual arrebatador, e "Ponyo" não é uma exceção. A sequência de abertura dura aproximadamente 5 minutos, e sem uma única linha de diálogo, mostra toda a riqueza e abundância de vida submarina; a redoma em que moram Fujimoto, Brunhilde e suas irmãs; a cumplicidade que reina entre elas; e a satisfação de Brunhilde ao sentir os primeiros raios de sol. Tudo isto, claro, com aquela perfeição e complexidade visual que se tornaram marcas registradas do Ghibli.

Mas não é apenas nas imagens grandiosas que o Studio Ghibli impressiona - e grandiosidade é o que o não falta neste anime, em especial durante certos eventos ligados a tempestades. Pessoalmente, o que mais me marca nas animações do Ghibli é a atenção aos detalhes mais sutis. Por exemplo, quando Sousuke se encontra pela 1ª vez com Brunhilde/Ponyo, toda a movimentação do garoto é sublime: da expressão facial de curiosidade à retirada delicada dos sapatos dos pés antes de entrar na água, é tudo tão incrível que dá vontade de ver e rever a cena por várias vezes, só para pegar as sutilezas em cada detalhe. Um outro momento ocorre durante uma fortíssima tempestade (mais um show de animação, por sinal), e Lisa e Sousuke estão pegando o carro para voltar para casa. Na hora em que a chuva cai nos vidros, a animação, os efeitos sonoros... é tudo tão incrível que até sentimos o peso da água sobre o carro. Senti meus olhos brilhando na hora, o queixo caindo, a baba escorrendo e aquele "uau..." saindo quase num sussurro. :)

Hayao Miyazaki conta com seus habituais parceiros do Ghibli nesta produção. Joe Hisaishi cria mais uma excelente trilha sonora, alternando temas mais fortes e sombrios com outros mais alegres e festivos, inclusive prestando uma homenagem à "Cavalgada das Valquírias", de Richard Wagner - o nome Brunhilde sendo uma clara alusão à sua ópera "O Anel dos Nibelungos". Katsuya Kondo fica mais uma vez a cargo do desenho de personagens com aquelas características tipicamente "Ghiblianas", que passam a impressão de já termos visto aqueles traços anteriormente, mas com cada personagem possuindo algum detalhe que o diferencia claramente dos demais. Katsuya Kondo é ainda diretor de animação e, convenhamos, em se tratando do Studio Ghibli, desnecessário falar alguma coisa a mais, né?

Como em outras obras de Miyazaki, não há um vilão de verdade em "Ponyo". Há algumas mensagens espalhadas aqui e ali sobre a humanidade estar colocando em risco o planeta com a poluição e a sujeira, e até a intenção de determinado personagem de limpar o planeta dos seres humanos, para que a natureza possa tomar conta e devolver a Terra a seu esplendor de outrora. Mas nada de personagens que representem o mal supremo e que queiram destruir a Terra apenas por prazer e satisfação pessoais. E chega a ser engraçado ver a tranquilidade com que as pessoas encaram certos eventos cataclísmicos ao longo do anime: se trata de um anime infantil com elementos fantásticos, claro, mas é preciso ligar a "suspensão da descrença" em modo máximo em alguns momentos, pois é realmente muito difícil imaginar um comportamento tão calmo e ordeiro da população perante a situação em que se encontram.

Méritos ainda para Miyazaki por criar um roteiro que não apenas cativa o espectador desde o início mas, ainda, possui personagens carismáticos com os quais nos preocupamos de verdade. Os relacionamentos são sinceros e convincentes, e isto é vital para que "Ponyo" não caia na armadilha tão comum a vários longas-metragens de animação, que abusam do deslumbre visual e sonoro para ocultar defeitos claros no que mais importa, que é a história.



"Ponyo" é mais uma excelente obra do Studio Ghibli, ainda que, pessoalmente, eu o coloque um degrauzinho abaixo de outros animes infantis do estúdio, como "Kiki's Delivery Service" e "Meu Vizinho Totoro". Mas por se tratar do Ghibli, não é preciso pensar demais para saber que mesmo um anime, digamos, "imperfeito" do estúdio ainda é superior a praticamente 99% do que é produzido por aí.


Marcelo Reis


 

sexta-feira, novembro 21, 2014

Angel Densetsu (OVA)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 21/11/2014

Alternativos: Angel Legend / Legend of the Angel
Ano: 1996
Diretor: Yukio Kaizawa
Estúdio: Toei Animation
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 46 min
Gênero: Drama / Comédia


Começando o texto já com uma pequena confissão: "Angel Densetsu" me divertiu tanto que minha intenção inicial foi escrever esta resenha sob influência etílica. :D   Mas depois pensei melhor e deixei a idéia de lado, pois sabe-se lá as indiscrições que um webmaster-preguiça poderia escrever com algumas "biritas" na cabeça, né? De toda forma, a idéia de uma "resenha bebum" ainda não foi abandonada de todo. Se tiverem sugestões de animes para serem resenhados desta maneira, sou todo ouvidos. ;)

Chega de papo furado e mãos à obra! "Angel Densetsu" foi mais uma preciosidade que descobri através da excelente coluna "Buried Treasure", publicada por Justin Sevakis no ANN (http://www.animenewsnetwork.com/buried-treasure/archive) e que, infelizmente, não é mais atualizada desde 2011. "Angel Densetsu" foi lançado apenas em VHS no Japão, e é um anime tão obscuro que dificilmente você encontrará dados técnicos confiáveis a seu respeito. O número de episódios é um exemplo: enquanto o ANN diz que foram lançados 2 OVAs de 45min cada, o AniDB diz que existe apenas um OVA de 45min. Esta resenha se baseia na única versão disponível na internet, um fansub contendo 2 arquivos de 23min cada, totalizando 46min.

"Angel Densetsu" foi baseado no mangá homônimo de Norihiro Yagi, mais conhecido atualmente como o autor/desenhista do sucesso "Claymore". O mangá de "Angel Densetsu" obteve um sucesso considerável à época de seu lançamento, com um total de 15 "tankoubon", e esperava-se que o anime seguisse o mesmo caminho, o que infelizmente não aconteceu. É uma pena, pois a julgar pelos curtos 46min deste OVA, muita coisa boa ainda viria pela frente.

Seiichiro Kitano tem a alma de um verdadeiro anjo. Excelente aluno, ótimo filho, educadíssimo, possui um coração puro e está sempre disposto a ajudar o próximo, não importando os riscos que ele próprio venha a correr em função disto. Um cara assim é o amigo que todo mundo gostaria de ter por perto, o namorado ideal, o genro com o qual toda sogra sempre sonhou, certo? Depende: se a pessoa em questão possuir a face mais demoníaca e assustadora que já apareceu na face da Terra, certamente haverá controvérsias a respeito.


"Angel Densetsu" gira basicamente em torno desta premissa e das confusões que dela resultam. Não importa o que o pobre Seiichiro faça em sua busca para conquistar amigos dentro de sua nova escola, a sua fama de "demônio indestrutível" espalha-se como uma praga, e ele começa a ganhar status de lenda dentro e fora do colégio. Até mesmo os membros da gangue escolar querem distância dele, imaginando que ele seja um drogado, o mal supremo encarnado.

O que faz "Angel Densetsu" funcionar às mil maravilhas é a capacidade do diretor Yukio Kaizawa de explorar ao máximo esta premissa, e o mais importante, de forma absolutamente hilária. O contraste entre o que se passa na mente de Seiichiro e o que os demais personagens enxergam mostram bem como as pessoas fantasiam em excesso, imaginando situações que, na realidade, não têm nada daquilo em que pensam. Cada confusão em que Seiichiro se envolve inadvertidamente gera uma espiral de novos eventos, e quando o espectador acha que não há como o pobre coitado se safar desta vez, algo acontece... e a lenda torna-se mais forte. :) Destaque para a reação nada ortodoxa do protagonista quando encontra-se excitado, nervoso, empolgado ou desesperado; uma corrida insana com os braços para o alto, e soltando um grito que só ouvindo para crer.

Tecnicamente, "Angel Densetsu" não é extraordinário, mas também não compromete. É um OVA típico dos anos 90, com um belo trabalho de arte em acetato, animação simples e com alguma repetição de células aqui e ali. O desenho de personagens é muito eficaz, especialmente no caso da aparência demoníaca de Seiichiro, pois caso o personagem não passasse uma sensação de ameaça real, todo o enredo do anime poderia desabar. A trilha sonora também é bem característica da época, toda realizada em sintetizadores e teclados arranjadores, com aquelas baterias de som choco e linhas de "synth" estridentes e estaladas - meio brega, mas eu adoro. :)

Assim como eu havia comentado na resenha de "Dragon Half", minha única queixa a respeito de "Angel Densetsu" é a completa ausência de final. Muita coisa acontece ao longo deste OVA, deixando uma quantidade imensa de ganchos abertos para futuros episódios que, infelizmente, nunca foram produzidos. Há inclusive algumas cenas adicionais após os créditos finais, mostrando o surgimento de novos personagens e eventos prestes a bagunçar ainda mais a já tumultuada vida de Seiichiro. Uma pena realmente que os OVAs tenham sido cancelados tão no início.



Mesmo com este imenso porém do "não-final", recomendo "Angel Densetsu" com a consciência tranquila. No mínimo você poderá esquecer um pouco das dores de cabeça provocadas pela correria diária, rindo a valer com as desventuras do "cara de demônio". E para quem quiser conhecer um pouco mais da história, felizmente existe o mangá para saciar a curiosidade.


Marcelo Reis


 

quinta-feira, novembro 06, 2014

Aachi & Ssipak (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 06/11/2014

Ano: 2006
Diretor: Jo Beom-jin
Estúdio: JTeam Studios
País: Coréia do Sul
Episódios: 1
Duração: 90 min
Gênero: Ação / Comédia / Sci-Fi


Alguém quer brincar de vidente? Então vamos lá: farei uma breve descrição sobre "Aachi & Ssipak", animação sul-coreana que levou nada menos que oito anos para ser produzida. Ao final, você precisará descobrir se, de acordo com a descrição, esta animação é legal ou não. Vamos nessa?

O mundo ficou sem nenhuma fonte de energia. A população construiu uma nova cidade, gerando uma nova energia a partir de seus excrementos. Seus líderes anunciaram duas legislações referentes à geração e ao controle desta energia:

1) Instalação de um chip de identificação no ânus de cada cidadão, para monitorar seus níveis de defecação;

2) Em troca, oferecer aos cidadãos defecadores uma recompensa: deliciosas barrinhas azuis suculentas, semelhantes a picolés e que viciam seus usuários.

Os níveis de defecação subiram à estratosfera, mas a cidade ficou cheia de viciados nas tais barrinhas. O tráfico ilegal destas barras tornou-se epidêmico, e seus efeitos colaterais geraram uma multidão de mutantes baixinhos e idiotas, que criaram uma gangue para roubar barrinhas. São conhecidos como "Gangue da Fralda".

É neste mundo que vivem Aachi, com seu cabelo vermelho arrepiado e óculos esverdeados, e seu amigo Ssipak, com sua lustrosa careca e torso sempre à mostra. Os dois são traficantes "meia-boca" que passam o dia roubando as barrinhas suculentas dos usuários de banheiros públicos pela cidade. Vivendo de migalhas e precisando lidar com os verdadeiros manda-chuvas da cidade, que controlam o tráfico de dentro da prisão, Aachi e Ssipak podem ter a chance de "tirar o pé da lama" com a entrada em cena de Beautiful, atriz que busca um lugar ao sol no mundo do cinema pornô e que tem uma característica muito peculiar ligada às defecações.

Gente, fala sério! Esta brincadeira de vidente está de cartas marcadas! Afinal, é impossível uma animação com um enredo tão maluco ser ruim, certo? CERTO??!!

RESPOSTA ERRADA!!!  :D

É triste dizer isto, mas idéias interessantes e ousadas nem sempre são garantias de uma obra interessante. É preciso pelo menos uma junção de bom roteiro com personagens convincentes e, claro, um diretor que consiga costurar toda a trama, de forma a deixá-la empolgante e cativar a atenção do público. Assim como acontece com a maioria das animações sul-coreanas, "Aachi & Ssipak" foi um fracasso financeiro dentro do próprio país. Onde foi que o diretor / roteirista Jo Beom-jin errou a mão? Descobriremos logo, logo...


Mas antes, para não dizerem que sou um desgraçado destruidor de boas reputações, vamos às coisas boas em "Aachi & Ssipak". A premissa é realmente muito interessante, e em alguns momentos ela é explorada de forma satisfatória. Tudo no mundo retratado nesta animação gira em torno do cocô: propagandas de TV, noticiários, até mesmo um concurso chamado "Rei da Defecação", tudo é voltado ao incentivo ao "número dois", numa devoção quase religiosa aos excrementos. O sexo anal é considerado crime grave, passível de pena de morte, pois o ânus é considerado local sagrado. Nada pode entrar, só o cocô tem permissão pra sair. :)

Os primeiros 20 minutos são incríveis! Com um animação de visual 2D num ambiente 3D de excelente qualidade, além de cenários de cair o queixo, "Aachi & Ssipak" começa num ritmo alucinante, mostrando de cara que os tais mutantes não estão para brincadeiras quando o assunto são as barrinhas suculentas. Esta é mais uma animação com um estilo visual que lembra "Dead Leaves" e "FLCL", com tomadas de câmera louquíssimas, mas sem a piração meio SD (Super Deform) que existe nos animes supracitados. E, caramba, como "Aachi & Ssipak" é violento! Perdi a conta da quantidade de cabeças cortadas e corpos despedaçados que apareceram antes mesmo que o título da animação surgisse na tela. É isto aí, pessoal: totalmente impróprio para menores e até mesmo para adultos mais sensíveis.

Mas aí chegam os "poréns" e, gente, eles são muitos! Primeiro, por mais que estilo visual seja algo muito subjetivo, acho difícil alguém dizer que gostou do "chara design" desta animação. Personagens com pernas muito curtas em relação ao tronco, com feições não muito harmônicas e, para piorar, os dentes!! Dentes e dentes na cara o tempo todo, não importa se o personagem está rindo, chorando ou dormindo, parece que ninguém possui lábios neste desenho. Mentira: Jimmy, o diretor esquisitão de cabelo afro, e a própria Beautiful devem ter roubado os lábios de todos os outros personagens. E por acaso eu já falei dos dentes? Ah, foi mal, o trauma foi grande...

A animação, apesar de muito legal na maior parte do tempo, tem alguns momentos meio "meh", nos quais o 3D não se encaixa do jeito que deveria. Mas isto é um probleminha menor. Duro mesmo é ter que aguentar os personagens chatíssimos, tão chatos que, no fim das contas, acabamos não torcendo pra ninguém. Prêmio "Voz de Taquara Rachada" para a insuportável dublagem de Beautiful, que consegue estragar praticamente todas as cenas em que aparece.

Mas o grande, imenso, gigantesco problema de "Aachi & Ssipak" é ser uma obra cansativa. Muita gente diz que ele lembra de alguma maneira o estilo de "Ren & Stimpy", e concordo com isto. Mas as loucuras de "Ren & Stimpy" funcionavam porque cada esquete durava apenas 10 minutos - e olha que alguns deles eram chatos pra burro! Segurar as pontas durante quase 90 minutos de loucura e gritaria é tarefa hercúlea para qualquer um, e o estreante Jo Beom-jin não conseguiu dar conta do recado. As cenas de ação já não parecem mais tão empolgantes, os exageros perdem a força e a gritaria irrita o espectador, que começa a olhar o relógio sem parar, doido para que tudo aquilo acabe logo. E há ainda "homenagens" forçadas a filmes como "Aliens", "Louca Obsessão" e "Indiana Jones e o Templo da Perdição" que não acrescentam absolutamente nada ao resultado final.



Como estou virando o "Marcelinho Paz e Amor", quero evitar dizer coisas como "não percam seu tempo com esta animação" ou "se assistirem a isto, tomara que seus olhos vazem!". ^_^  É melhor que cada um assista e tire suas próprias conclusões. Talvez eu seja até mesmo uma exceção aqui, já que li várias resenhas favoráveis por aí. "Aachi & Ssipak" tem, sim, qualidades positivas, e merece ser visto pelo menos pela premissa interessante e pelos 20 min iniciais. O resto... bem, aí a responsabilidade é de cada um. Se seus olhos vazarem mesmo, não me acusem de nada! ^_~


Marcelo Reis