sexta-feira, outubro 31, 2014

The Dog of Flanders (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 31/10/2014

Alternativos: A Dog of Flanders, O Cão de Flandres, Furandaasu no Inu
Ano: 1997
Diretor: Yoshio Kuroda
Estúdio: Nippon Animation
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 103 min
Gênero: Drama



Marie Louise de la Ramée, mais conhecida pelo pseudônimo Ouida, foi uma autora inglesa de ascendência francesa, tendo escrito mais de 40 livros durante seus 69 anos de vida. "A Dog of Flanders", escrito em 1872, possui uma peculiaridade interessante. Apesar de se passar na região de Flandres, no norte da Bélgica, a história só ganhou popularidade neste país há poucas décadas. Por outro lado, o livro é imensamente popular no Japão, onde deu origem a várias séries e longas-metragens de animação, assim como nos EUA, onde foram produzidos 4 longas-metragens "live-action" baseados no livro.

Esta resenha diz respeito ao longa animado "The Dog of Flanders", produzido em 1997 pela Nippon Animation e sob a direção de Yoshio Kuroda, responsável também pela direção da série animada de 52 episódios produzida em 1975. Vale lembrar que existem duas versões deste longa-metragem de 1997: uma de 93 min, com muitos cortes e ritmo capenga, lançada pela Geneon Entertainment em DVD nos EUA; e outra original sem cortes, com 103 mins e lançada em DVD apenas no Japão, mas disponível nos EUA num VHS legendado de excelente qualidade, embora difícil de ser encontrado.

Nello é um garoto órfão e pobre da região de Flandres, vive com seu avô Jehaan e seu inseparável cão Patrasche numa área rural próxima a Antuérpia. Nello ajuda seu velho avô nas tarefas rurais e entregando leite nas casas da região, usando para isto uma carroça puxada por Patrasche. Mas sua verdadeira paixão é a arte. Com um talento natural para pintura, Nello deseja se tornar um artista tão talentoso quanto seu conterrâneo Peter Paul Rubens. Sempre que vai à Catedral de Nossa Senhora, em Antuérpia, Nello fica embevecido pela beleza da tela "A Assunção da Virgem Maria", mas seu maior sonho é poder ver os outros dois quadros de Rubens existentes nesta mesma catedral, sempre ocultos por uma pesada cortina. Um sonho distante, já que é preciso pagar uma moeda de ouro para admirar estes quadros, uma verdadeira fortuna para o garoto. Mas mesmo com todas as dificuldades financeiras, seu avô incentiva o talento do neto, que cria seus desenhos na parte de trás de retalhos de pôsteres, por não ter dinheiro para comprar uma tela de pintura.

Apesar da vida difícil, Nello procura manter o alto astral, enquanto tenta curtir as coisas simples da vida com sua grande amiga Alois, filha de um dos homens mais poderosos da região. A diferença social não é empecilho algum para os dois amigos, mas não é difícil imaginar que tal amizade não agrada a todo mundo, em especial ao Sr. Cogez, pai de Alois, que pretende mandar a filha para a escola, para que ela tenha menos tempo livre para brincar com Nello. Elina, mãe de Alois, estimula a amizade da filha com o garoto, mas sabe que a provável separação trará grande sofrimento às crianças.



O que começa como uma singela história de amizade num ambiente bucólico aos poucos se transforma um belo estudo de personagens, no qual mesmo uma pessoa honesta e de bom coração como Nello se torna alvo do desprezo e das intrigas dos mais ricos e poderosos. O destaque aqui vai para Hans, dono da casa alugada pelo avô de Nello. Hans é um tremendo fofoqueiro e fingido, que se regozija em espalhar maldades e mentiras, em especial a respeito do pobre Nello.

O anime ganha força pela sinceridade de seu roteiro e tridimensionalidade de seus personagens. Mesmo aqueles que poderiam se tornar caricatos, como o Sr. Cogez, Hans ou o próprio Nello, não descambam para o maniqueísmo. Os dramas que acontecem não são forçados, e sabendo como a natureza humana pode ser cruel e insensível, não é difícil imaginar que algo parecido pudesse acontecer na vida real, exatamente da mesma maneira.

Visualmente, "The Dog of Flanders" é primoroso. Seu desenho de personagens de traços suaves é bonito e expressivo, lembrando um pouco o estilo do anime "Heidi", ainda que o artista responsável seja outro - no caso, Yoshiharu Sato, também diretor de animação aqui, e que tem no currículo obras como "Romeo and the Black Brothers" e "My Neighbor Totoro". Mas o que realmente impressiona são os cenários: as recriações das paisagens campestres de Flandres e, especialmente, das belas construções de época da Antuérpia são tão maravilhosas que chegam a parecer pinturas. O mesmo cuidado foi dedicado à arquitetura interna de igrejas e palácios, tudo com uma atenção incrível aos detalhes. Um trabalho brilhante do diretor de arte Ken'ichi Ishibashi e sua equipe de ilustradores do Nippon Animation.

A bela trilha sonora clássica de Taro Iwashiro (Rurouni Kenshin Movie) possui um clima melancólico em quase todos os momentos, com algumas sequências que nos remetem a algumas obras sacras de Bach. Esta melancolia vai num "crescendo" constante à medida em que o inverno se aproxima, anunciando mudanças drásticas nas vidas de todos. Destaque ainda para a comovente música de encerramento "When I Cry", cantada em inglês por Dianne Reeves, cantora americana vencedora do Grammy por 4 vezes na categoria "Melhor Performance Vocal em Jazz".

Sem estragar nenhuma surpresa, pode-se dizer que o momento crucial de "The Dog of Flanders" é aquele que se passa num moinho de vento. Tudo neste segmento funciona à perfeição, da animação à trilha sonora, criando um momento cada vez mais angustiante e que terá importância vital nos eventos finais da história.

Muita coisa ainda poderia ser dita sobre o enredo - por exemplo, como surgiu a forte amizade entre Nello e Patrasche - mas é melhor deixar algumas coisas no ar, para que o prazer de assistir ao anime seja ainda maior. Mas preparem-se para o final ao mesmo tempo belo e trágico: mesmo aqueles com coração de pedra terão dificuldades para segurar as lágrimas.



Não há aqui um final piegas e forçado como nos longas-metragens americanos, nem o andamento excessivamente lento das séries de TV. Há um consenso quase unânime de que este longa-metragem de 1997 é a melhor adaptação do livro de Ouida. Palavras não são suficientes para recomendar este belo anime da maneira que ele merece.


Marcelo Reis


 

quarta-feira, outubro 29, 2014

Chirin no Suzu (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 29/10/2014

Alternativos: Ringing Bell, Bell of Chirin
Ano: 1978
Diretor: Masami Hata
Estúdio: Sanrio Film
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 47 min
Gênero: Drama / Infantil



Impossível começar a falar deste belo "Chirin no Suzu" sem citar a Sanrio, empresa japonesa ligada a produtos tipicamente "kawaii" e que criou nada mais, nada menos do que a mundialmente famosa Hello Kitty. Ainda que a Sanrio seja mais associada a estes produtos "kawaii", ela se envolveu com a produção de filmes, OVAs e séries de TV nas décadas de 70 e 80, como "The Fantastic Adventures of Unico" e "Unico in the Island of Magic", atrávés da Sanrio Film. Embora a maioria das obras produzidas pela Sanrio Film fosse voltada ao público infantil, especialmente nos aspectos visuais, alguns destes animes tocavam em questões um pouco mais adultas: "Chirin no Suzu" é um exemplo perfeito deste lado mais sombrio da Sanrio.

"Chirin no Suzu" é baseado no livro homônimo de Takashi Yanase, autor dos livros de ilustrações de "Anpanman", um dos personagens infantis mais adorados do Japão. Chirin é um belo carneirinho branco, recém-nascido na primavera, e anda sempre com um sininho de localização no pescoço. Feliz, energético, inocente, brincalhão e curioso, Chirin recebe um conselho de sua mãe para nunca ultrapassar a cerca da fazenda, pois do lado de lá, nas montanhas, há um lobo grande e malvado, louco para comer carneiros. Chirin não acredita muito, pois não apenas imagina que a lã protegeria os carneiros de serem comidos mas, ainda, acha difícil imaginar um animal que não se alimente apenas de gramíneas, frutas ou outros vegetais.



O que começa como um anime tipicamente infantil, com personagens felizes, traços alegres e cores vivas, aos poucos vai dando lugar a uma ambientação sombria, até que uma tragédia se abate sobre Chirin. É um momento doloroso, em que a trilha sonora angustiante de Taku Izumi e o ambiente soturno se unem a uma animação sublime, em que cada tremor e contração facial de Chirin demonstram todo o seu sofrimento.


Em outras obras, a história poderia descambar facilmente para a pieguice, mas felizmente isto não acontece aqui, mérito da direção equilibrada e bem focada de Masami Hata (Sirius no Densetsu, Yosei Florence). Chirin é um personagem fascinante, pois ao invés de se afogar na dor e no sofrimento, ele resolve ir atrás do causador de sua desgraça, mesmo correndo o risco de perder sua própria natureza neste processo. Com seu gênio forte, Chirin não quer mais ser uma eterna vítima como todos os cordeiros: ele quer força, para poder se defender sozinho, vingar-se de seu algoz e mudar seu destino. Em outras palavras: Chirin quer se tornar um lobo.

"Chirin no Suzu" poderia se sustentar facilmente apenas com seu enredo interessante e personagens cativantes, mas é bom demais perceber que todo este conteúdo ainda vem embalado num belo pacote. Possui um traço e um estilo de animação clássico, que lembra um pouco as animações americanas e japonesas das décadas de 40 e 50, ainda que aqui e ali apareçam algumas expressões mais exageradas típicas de animes posteriores a este período. A animação propriamente dita é sublime, em especial a movimentação dos personagens, repleta de sutilezas corporais e faciais. O trabalho de arte de Yukio Abe (Sirius no Densetsu, NieA Under 7, Kamui no Ken), aliado à bela fotografia de Iwao Yamaki (Wings of Honneamise), cria momentos quase poéticos, como os dentes-de-leão sendo levados pelo vento, o rebanho caminhando ao pôr-do-sol e os treinamentos de Chirin.

Apesar de não ser um musical, "Chirin no Suzu" possui canções como tema de fundo durante quase toda a sua duração, todas elas com letras ligadas à trajetória de Chirin e, por isto mesmo, com um conteúdo harmônico tendendo à melancolia. Seções de sopro são usadas com abundância na trilha instrumental, com um tom grandioso e reminiscente dos filmes de "western spaghetti".


Com algumas cenas fortes que impressionam, especialmente por se tratar de um anime com estética bem infantil, "Chirin no Suzu" é uma obra de contrastes. Possui um protagonista "kawaii" com um espírito determinado; um antagonista que não é mau, mas apenas segue sua natureza; alterna cenas bucólicas com outras que parecem saídas de um filme de terror. O lado bom é que tudo flui com uma naturalidade incrível ao longo de seus curtos 47 minutos de duração. Com um final pesado e corajoso, "Chirin no Suzu" é um anime excepcional e surpreendente, mas que deve ser visto com cautela por pessoas mais sensíveis, principalmente crianças.

"Por que os fracos sempre morrem?"


Marcelo Reis


 

sexta-feira, outubro 24, 2014

Redline (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/10/2014

Ano: 2009
Diretor: Takeshi Koike
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 101 min
Gênero: Corrida / Sci-Fi / Ação


Uma coisa é inegável em relação às obras de Takeshi Koike: elas possuem um estilo visual único. Tanto "Trava" quanto "World Record" (este último faz parte de "Animatrix") apresentam características típicas dos animes de Koike: cores berrantes e contrastantes, traços estilizados e distorcidos, tomadas de câmera incomuns para aumentar a sensação de estranheza, e uma animação de cair o queixo. "Redline", longa-metagem de 2009, eleva estas caracteríticas "koikeanas" à enésima potência.

Num futuro distante, no qual os tradicionais carros com rodas foram substituídos por veículos com motores antigravitacionais, apenas alguns "doidos varridos" continuam a correr à moda antiga. Os pilotos são verdadeiras celebridades, e muito dinheiro circula neste meio, inclusive com a participação de um certo "sindicato" que manipula os resultados para faturar alto com apostas.

Entre todas as corridas, Redline é de longe a mais famosa e mortal. Ela acontece apenas a cada 5 anos, num local-surpresa revelado poucos dias antes da largada. Redline é o objetivo máximo de todos os pilotos, que fazem de tudo para conseguir uma vaga entre os oito carros participantes. Nesta corrida, qualquer coisa vale: não importa o que aconteça, quem cruzar a linha de chegada em primeiro, vence.

JP, um cara boa-pinta e com um topete monumental, é também chamado de "Adorável JP", pois faz questão absoluta de correr jogando limpo, sem utilizar bombas ou algo do tipo. Com seu carro amarelo super turbinado e modificado, que lembra um Ford Mustang da década de 70 usado nas corridas da Trans-Am Series, JP possui o rabo preso com o tal "sindicato", já que seu mecânico Frisbee está ligado ao esquema de apostas: por esta razão, ele não pode vencer corridas... e o sonho de participar da Redline parece cada vez mais distante.

Mas a escolha de Roboworld como sede da próxima Redline, um planeta abertamente hostil ao universo das corridas, pode mudar todo este cenário. Roboworld alega ser uma sociedade pura que repudia a sujeira ligada às corridas, mas seu motivo real para esta hostilidade é outro: proteger suas instalações militares secretas das câmeras onipresentes que acompanham os veículos em suas loucuras.

Se eu pudesse resumir "Redline" em duas palavras, elas seriam: totalmente possesso. ^_^   É um anime que não perde o ritmo nem mesmo em seus momentos mais calmos, e que é alucinante em praticamente 90% do tempo, desde o primeiro minuto. De cara chamam a atenção o traço detalhadíssimo, as cores psicodélicas, os ângulos de filmagem movidos a LSD e a animação tão fluida que dá vontade de chorar. É nestas horas que vemos como uma animação tradicional de qualidade tem o seu lugar. Na resenha de "Redline" no site THEM Anime, o autor comenta sobre os extras do DVD, onde é revelado que a produção da obra durou 7 anos, e foram utilizadas mais de 100 mil células desenhadas a mão. Não há absolutamente nada de CGI ao longo de toda a animação, o que é simplesmente inacreditável.


"Redline" conta com uma grande produção da Madhouse e toda a sua equipe, mas sua alma está basicamente ligada a duas pessoas. Uma delas, obviamente, é Takeshi Koike, que além de diretor, trabalhou como diretor de animação e foi um dos responsáveis pelo desenho de personagens, ao lado de Katsuhito Ishii, seu co-diretor em "Trava". E Ishii é a segunda peça-chave por trás de "Redline", pois criou o argumento da obra, foi um dos roteiristas e, ainda, seu diretor de som. Ufa! Vale lembrar que Katsuhito Ishii é um diretor de excelentes longas-metragens "live-action", como "Funky Forest" e "The Taste of Tea".

A diretora de arte Yuko Kobari (Texhnolyze) ajudou a criar um clima interessantíssimo em "Redline", pois toda a ambientação é uma mistura muito bem-feita de tecnologia em meio a paisagens típicas de um "western" americano. E o compositor James Shimoji compôs uma trilha sonora eclética, que vai da "dance music" ao clássico, passando pelo progressivo e outros estilos. Um belo trabalho que não tenta se sobrepor ao que está em cena mas, sim, trabalhar em harmonia com as imagens.

Não dá pra dizer que "Redline" tenha uma história incrível. É um típico anime de ação, com personagens que correm atrás de sonhos enquanto lutam com alguns fantasmas do passado. JP teve uma infância pobre, e acabou sendo inicialmente seduzido pelo glamour, fama e mulheres ligados ao mundo das corridas, até descobrir motivações muito mais sinceras para competir. Sonoshee McLaren, piloto linda e talentosa, sempre se interessou apenas por carros, nunca ligando muito para amigos ou namorados. Carrega um pingente no pescoço, presente do seu pai, que foi sua grande inspiração para ingressar nas corridas. E como deixar de mencionar Machine Head Tetsujin, capaz de literalmente se conectar a seu carro? Conhecido como "Sr. Redline", é o homem mais rápido da galáxia e vencedor da corrida por quatro vezes consecutivas. Há ainda o Coronel Volton, com sua sede doentia por poder e destruição; Frisbee, amigo e mecânico de JP há anos, mas com uma personalidade ambígua; e o hilário Little Deyzuna, que fica super forte quando chora. E temos ainda a participação toda especial de Trava e seu fiel escudeiro Shinkai - para maiores informações, leiam a resenha de "Trava". ^_~

Quanto aos dubladores, há alguns nomes famosos no elenco, como Tadanobu Asano (Frisbee), o Kakihara de "Ichi o Assassino"; Yuu Aoi (Sonoshee McLaren), dos ótimos "Hana & Alice" e "Hula Girls"; e Takuya Kimura (JP), dublador de Howl em "O Castelo Animado". Mas confesso que nenhuma dublagem me agradou mais que a de Kenta Miyake como o chorão Little Deyzuna. Tudo bem, sei que é exagerada e tudo o mais, mas era impossível segurar o riso a cada vez que o personagem aparecia, possesso e chorando como um louco, e "sentando a mão" em quem pintasse à sua frente.

Isto não significa que "Redline" seja apenas estilo com zero de substância. Roboworld tem características que nos remetem ao nazismo alemão (totalitarismo, militarismo, propaganda, refugiados), incluindo a insígnia que tem uma semelhança nada sutil com a suástica nazista. Há ainda uma crítica ao poder da mídia, disposta a colocar seus contratados em situações de risco extremo, tudo por alguns pontos de audiência. Mas é como entretenimento puro que "Redline" brilha. Misturando corridas, batalhas aéreas, comédia e até mesmo um pouco de "kaiju eiga", "Redline" é daqueles animes tão pirados e psicodélicos que ficamos a imaginar como conseguirão manter o ritmo durante 101 minutos sem perder o pique.



Com momentos antológicos como a apresentação dos pilotos e, especialmente, os 20 minutos finais, "Redline" é uma obra incrível que, verdade seja dita, talvez não agrade a todo mundo. Não por acaso, acabou sendo um tremendo fracasso comercial no Japão: com um custo de produção de US$26 milhões, arrecadou menos de US$9 milhões nos cinemas japoneses. Mas se até Marcelo Reis, o "Sr-gosto-apenas-de-animes-com-bons-personagens-e-roteiros-inteligentes", sorriu de orelha a orelha durante toda a duração de "Redline", talvez valha a pena conferir esta pequena pérola criada pelas mentes insanas de Takeshi Koike, Katsuhito Ishii e seus colegas da Madhouse.


Marcelo Reis


 

quarta-feira, outubro 22, 2014

They Were 11 (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 22/10/2014

Alternativos: They Were Eleven, 11 Nin Iru
Ano: 1986
Diretor: Satoshi Dezaki / Tsuneo Tominaga
Estúdio: Kitty Films / Victor Entertainment
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 91 min
Gênero: Mistério / Sci-Fi / Suspense


No futuro distante, os habitantes da Terra exploraram o Universo durante séculos e entraram em contato com habitantes de vários outros sistemas, como Sava e Seguru. Após um longo período de guerras, os governos planetários assinaram o Tratado de Aliança Interestelar: finalmente foi selada a paz entre as várias civilizações.

Para a manutenção desta paz, foi criada a Cosmo Academy, uma instituição de elite de alta tecnologia, voltada para a educação dos líderes do futuro. O processo de seleção é árduo e muito concorrido, ocorrendo apenas uma vez a cada três anos, e candidatos de vários planetas tentam a sorte, buscando uma garantia de futuro como membros de elite da sociedade.

Na fase final de seleção, grupos de 10 candidatos selecionados aleatoriamente devem cumprir determinada missão, sem contato com o mundo exterior, exceto por um botão de emergência. Caso o botão seja acionado, equipes de socorro serão enviadas, mas todos os 10 candidatos daquele grupo serão imediatamente reprovados.

Um dos candidatos no concurso atual é Tadatos Lane, ou simplesmente Tada, um rapaz órfão, inteligente e intuitivo que, passo-a-passo, consegue chegar à fase final. Seu grupo deve ir a uma nave espacial abandonada e sobreviver naquele ambiente inóspito durante 53 dias. Mas ao chegarem à nave, Tada e seus companheiros constatam com horror que há 11 pessoas na nave. Quem é o intruso no grupo, e qual o seu objetivo ali? Intrigas e desconfianças começam a imperar entre os membros desde o primeiro minuto... e a jornada está apenas começando.



"They Were 11" é baseado no mangá homônimo de Moto Hagio, publicado em volume único e vencedor do Shogakukan Manga Award em 1976, na categoria "shonen". O anime foi lançado em 1986, e tem várias características típicas de outros animes do mesmo período: animação tradicional mais simples, com muito uso de células deslizantes; trilha sonora toda baseada em sintetizadores, com aquela inconfundível aura dos anos 80 atolada em reverberações; um desenho de personagens clássico, o que não causa surpresa alguma, levando-se em conta o fato de serem criação de Akio Sugino (Space Adventure Cobra, Ashita no Joe) e Keizo Shimizu (Legend of the Galactic Heroes, Legend of Basara); e um desenho mecânico mais simples do que o utilizado em obras atuais mas, ainda assim, muito efetivo.

"They Were 11" começa num ritmo tranquilo e agradável, demonstrando com clareza o enredo e o ambiente onde se desenvolve a narrativa. O grupo de personagens é bem heterogêneo, cada um com uma personalidade bem definida e um objetivo específico para passar no teste e entrar na academia. Tada, o personagem principal, possui capacidades telepáticas e, por algum motivo, parece conhecer muito bem a nave abandonada... talvez bem até demais, o que gera grande desconfiança entre os demais membros do grupo.

O Rei Mayan Baceska, simplesmente chamado de "King", é outro personagem de destaque. Ele tenta entrar na Cosmo Academy para sua satisfação pessoal: é um líder nato, mas com grande dificuldade para aceitar opiniões contrárias. A dublagem de Hideyuki Tanaka, com sua voz grave, ajuda sobremaneira a mostrá-lo como uma figura imponente.

Frolbericheri Frol também se destaca no enredo. Apesar de todas as evidências mostrarem que é uma linda mulher, Frol diz que isto não é verdade e que ela odeia garotas. A sua motivação para entrar na Cosmo Academy está intimamente ligada a esta questão.

Outros personagens possuem importância variada na história, ainda que quatro deles - Toto, Chacka, Dolph e Doricas - sejam bem apagados e, até certo ponto, dispensáveis.

O que transforma "They Were 11" em uma obra realmente interessante é o seu enredo central e o clima criado em torno dele. A idéia de um intruso desconhecido em um ambiente hostil torna-se cada vez mais insuportável à medida em que mais e mais problemas vão surgindo, alguns deles colocando em sério risco a vida dos personagens. Seriam os problemas parte da missão, ou alguém estaria realizando sabotagens de forma deliberada?

Não posso deixar de comentar sobre uma cena de comédia-pastelão em determinado momento que destoa completamente do clima do anime. Não vou dizer quando ela corre para não estragar a surpresa, mas tenho certeza que vocês perceberão na hora. ^_^


Com um clima que remete aos filmes "O Enigma de Andrômeda" e "O Enigma do Horizonte", além do anime "Infinite Ryvius", "They Were 11" não chega a ser uma obra super marcante, mas entretém o espectador do início ao fim, sem apelar para gritarias, dramalhões, exageros e outros clichês. Para quem curte um bom anime com a cara dos anos 80, fica a sugestão.


Marcelo Reis


 

segunda-feira, outubro 20, 2014

Norageki (OVA)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 20/10/2014

Alternativos: Five Numbers!
Ano: 2011
Diretor: Yoshiki Yamakawa
Estúdio: Sunrise
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 25 min
Gênero: Aventura / Drama / Mistério / Sci-Fi


Anime estranho este tal de "Norageki". Apesar de contar com um time de pesos-pesados como o diretor Hiroaki Ando (Princess Arete) e o roteirista Dai Sato (Ergo Proxy, GITS-SAC), além da produção da toda poderosa Sunrise, "Norageki" tem toda a pinta de um anime independente. Seu estilo visual, por exemplo, nos remete imediatamente a "Kakurenbo" e "Freedom", duas obras de Shuhei Morita feitas em animação 3D usando cell-shading. E este tipo de estranheza permeia o anime o tempo todo, como se ele não soubesse que caminho seguir: uma produção intrincada da Sunrise, ou uma obra de um pequeno estúdio tentando tirar leite de pedra?

Uma queda de energia numa prisão isolada de segurança máxima causa a abertura de todas as celas. Apesar do tamanho grandioso das instalações, quatro pessoas e um gato preto aparentam ser seus únicos habitantes. Estes prisioneiros tão diferentes entre si vão se conhecendo aos poucos, enquanto tentam descobrir o que causou o blecaute inesperado e o motivo pelo qual não existem outras pessoas no local. Mas o tempo é curto, e questões ligadas à sobrevivência de cada um deles acabam se tornando mais urgentes.

Os personagens são tão formulaicos que nem nome eles possuem. Temos o jovem caladão e misterioso que parece saber mais do que aparenta; o homem de meia-idade com alguma possível ligação com aquela prisão; a loura gostosona que tenta usar o corpo para se dar bem; e uma nerd de óculos e cabelos azuis que confia mais nos números do que nas pessoas.


Num roteiro bem trabalhado, até personagens tão rasos poderiam dar um caldo, mas o conteúdo de "Norageki" não empolga em momento algum. Abusando pra valer de diálogos expositivos constrangedores e deslocados, além de conceitos filosóficos pueris sobre humanidade, "Norageki" ainda "esconde" um suposto segredo sobre a tal prisão que chega a ser risível de tão óbvio.


"Norageki" não possui nem uma parte técnica deslumbrante para compensar este imenso vazio de substância. As primeiras cenas até passam uma boa impressão, com uma prisão de visual asséptico e impessoal, mas quando os personagens se tornam o centro das atenções, vemos a falta que faz uma pessoa como Shuhei Morita na produção. Se o uso do 3D com cell-shading foi crucial para tornar "Kakurenbo" e "Freedom" tão impressionantes em termos visuais, em "Norageki" a técnica causa um efeito contrário, sugando a energia do que acontece na tela, deixando a obra ainda mais sem vida.

Um detalhe bem interessante neste anime é a música de encerramento, "Volevo Un Gatto Nero" (Eu Quero um Gato Preto), uma cantiga infantil italiana cantada no idioma original e que tem tudo a ver com o que acontece no final do anime. Final que teria tudo para ser marcante, mas que não causa emoção alguma justamente em função da narrativa frouxa.


"Norageki" é um anime curto, apenas 25min, e assisti-lo não causará a sensação de ter jogado seu tempo fora. Mas se quiserem usar este tempo em algo melhor, assistam "Kakurenbo" ou "Pale Cocoon" e me agradeçam depois. ^_~


Marcelo Reis


 

sábado, outubro 18, 2014

Hells (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 18/10/2014

Alternativos: Hell's Angels
Ano: 2008
Diretor: Yoshiki Yamakawa
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 117 min
Gênero: Ação / Comédia / Drama / Fantasia



Pessoal, nesta que é a 1a. resenha do Animehaus após o seu, digamos, renascimento, eu juro que adoraria dizer que "Hells" é um anime incrível, a última bolacha do pacote, etc e tal. Espero que não seja um mau agouro para o futuro (bate na madeira, moleque!), mas apesar de eu ser um fã de carteirinha da Madhouse, "Hells" foi uma baita decepção.

Linne Amagane, nossa protagonista, corre de forma ensandecida para sua escola, já que sua mãe acabou atrasando-a por causa de uma "agenda idiota", de acordo com suas próprias palavras. Ao tentar salvar de um atropelamento um gato estranhíssimo com cara de "yin/yang", quis o destino que Linne se encontrasse com a morte gulosa, aquela que não perdoa ninguém. O pior? Nossa amiguinha acabou caindo direto no Inferno, com direito a uma turma de delinquentes chegadas a um "bullying" e um diretor de escola chamado Helvis... yep, inspirado em quem vocês estão pensando. ^_^

A ficha custa a cair para a pobre Linne, que não entende direito como pode estar morta e, ainda por cima, ter parado literalmente no Inferno. Enquanto vai fazendo novos amigos, como Ryu Kutou, Presidente do Conselho Estudantil, e Steeler, uma garota estranha que sofre "bullying" de toda a turma e é uma bomba-relógio prestes a explodir, Linne começa a entender aos poucos o seu verdadeiro papel naquele universo tão diferente. Num mundo em que ninguém sangra, um pequeno filete de sangue que sai de um ferimento seu é o início de uma verdadeira revolução no Inferno... yay!


"Hells" começa alucinante. O seu visual distorcido e aparentemente mal-acabado, como se tivesse sido desenhado com lápis de cor, se encaixa como uma luva na proposta de representar o Inferno de uma maneira enlouquecida. O ritmo frenético e a animação incrível imediatamente nos remetem a obras como "Dead Leaves" e "FLCL", e os primeiros 30min não decepcionam, em especial as cenas em que Helvis, totalmente possesso e dramático, entra grandiosamente em cena.

Mas se até remédio pode virar veneno em altas doses, o que dizer de todo este exagero num anime de quase 2h? Com o tempo, o que era engraçado começa a se tornar cansativo, e como acontece num grande número de animes, infelizmente o dramalhão e a pieguice começam a imperar. E se não bastasse tudo isto, o enredo é simplesmente imbecil. Uma mistura de livro de auto-ajuda com psicologia de botequim, no qual a história de Adão, Eva, Caim e Abel é usada como pano de fundo com mais buracos que um queijo limburger. Tudo isto embalado por um adorável pacote de diálogos expositivos, este cancro desnecessário que assola grande parte das produções audiovisuais da atualidade.

Merece destaque a direção de arte de Hiroshi Ohno (Akira, Wolf Children, Kiki's Delivery Service), cujo aparente desleixo no traço esconde um trabalho meticuloso, especialmente no uso de cores contrastantes. O desenho de personagens de Kazuto Nakazawa (Legend of Black Heaven, El Hazard, Sarai-ya Goyou) também é expressivo, com muita criatividade no estilo dos monstros e entidades do além.



Com diálogos "edificantes" como "o alto astral torna tudo possível", ou "basta acreditar que vai acontecer", é triste ver como "Hells" tomou um rumo totalmente diferente do que prometia no início. Não chego a dizer que é uma obra totalmente dispensável, já que pelo menos o visual e as loucuras dos primeiros 30min realmente valem a pena. Resta saber se compensa gastar mais 90min de sua vida assistindo ao restante.

Ah, quase me esqueço: o anime ainda traz o segredo da vida!

Querem saber qual é?

"Todos unidos podem vencer!"

Se me dão licença, vou ali tomar um sal-de-frutas pra combater a indigestão. ¬¬


Marcelo Reis