Ano: 2014
Diretor: Shinichiro Watanabe
Estúdio: MAPPA
País: Japão
Episódios: 11
Duração: 23 min
Gênero: Drama, Mistério, Suspense
Shinichiro Watanabe pode se gabar de nunca ter realizado uma obra ruim, pelo menos até o dia em que escrevo esta resenha. Algumas podem não ser tão geniais quanto Cowboy Bebop (e convenhamos, poucas obras realmente podem se comparar a Bebop), mas todas possuem alguma coisa que as distinguem da imensa massa de animes puramente comerciais e sem alma produzidos ano após ano.
A notícia de que Watanabe dirigiria "Terror in Resonance", ou "Zankyou no Terror", obra baseada num conceito original do próprio diretor, deixou os fãs de anime alvoroçados. Por estar programada para ser exibida no noitaminA, bloco da Fuji TV exibido às madrugadas no Japão e voltado ao público adulto, ficava no ar a possibilidade de que seria um anime mais sério e realista. E para aumentar ainda mais as expectativas, foi revelado que os dois protagonistas da série eram nada menos do que terroristas.
Em uma sequência inicial alucinante, uma cápsula de plutônio é roubada de uma Usina de Reprocessamento de Combustível Nuclear na cidade de Aomori, norte da ilha de Honshu, no Japão. Um dos ladrões ainda encontra tempo para pintar de vermelho no chão da usina, em letras garrafais, a palavra "VON".
Seis meses depois, os dois jovens responsáveis por este roubo adotam os nomes falsos Arata Kokonoe e Toji Hisami, e fingem que são estudantes transferidos para Tóquio. Entre si, eles se chamam apenas de Nine e Twelve, respectivamente. Nine é sério, calculista e racional, enquanto Twelve é alegre, efusivo e nada discreto. Não é à toa que Lisa Mishima, uma garota retraída que é salva por Twelve de uma tentativa de "bullying", diz que "seu sorriso parecia o sol num dia quente de verão", enquanto descreve Nine como alguém "com olhos de gelo".
Nine e Twelve planejam um grande atentado em Tóquio, o primeiro de vários, e Nine não entende o motivo pelo qual Twelve resolve se expor e salvar alguém tão comum e sem graça quanto Lisa Mishima. Twelve explica que os olhos de Lisa se parecem com os das crianças da instituição onde viviam. Nine tem pesadelos constantes que mostram algo como um campo de detenção em chamas, completamente destruído, enquanto ele e Twelve tentam fugir daquele inferno. Ambos conseguem escapar, mas uma garota de rosto indefinido infelizmente fica para trás e, aparentemente, morre em meio ao incêndio. Isto assombra Nine por toda a vida, e o comentário de Twelve deixa uma dúvida no ar: seria Lisa aquela criança que não conseguiram salvar?
Nine e Twelve se autodenominam "Sphinx 1" e "Sphinx 2" em vídeos na internet, nos quais avisam quando ocorrerá o próximo atentado. Para que ele não aconteça, é preciso que as autoridades desvendem os enigmas que deixam em cada vídeo e descubram a tempo o local onde foi plantada a bomba.
É quando começa um jogo de gato-e-rato entre os "Sphinx" e Kenjirou Shibazaki, ex-detetive conceituado da polícia metropolitana de Tóquio. Fã de palavras-cruzadas, xadrez e "shōgi" (um tipo de xadrez japonês), ele era conhecido como "Shibazaki Navalha" em função de sua mente afiada e rápida. Shibazaki caiu em desgraça por ter denunciado um esquema de corrupção que atingia diretamente a cúpula da polícia, e por esta razão foi rebaixado ao cargo de arquivista dentro do departamento. Mas Kurahashi, o chefe da polícia metropolitana, percebe que apenas Shibazaki será capaz de resolver os enigmas e, com isto, impedir que os atentados aconteçam.
Apesar de ser uma série de apenas 11 episódios, "Terror in Resonance" possui um enredo muito intrincado, com uma imensa riqueza de detalhes nos aspectos técnicos. As explicações sobre o modo de ação dos terroristas são convincentes, os atentados são muito bem planejados e, ao longo da história, há uma justificativa plausível para o fato de duas pessoas tão jovens serem tão inteligentes e bem preparadas. Ainda assim, o nível de preparação e conhecimento deles sobre tantos assuntos me parece bem exagerado.
O visual da série é incrível, em especial os cenários de fundo, muito realistas. As cenas após o primeiro atentado nos remetem imediatamente à queda do World Trade Center, e os detalhes mostrando toda a destruição impressionam. As cenas de ação possuem uma qualidade de animação impressionante, com uma ótima mescla entre 2D e 3D.
O desenho de personagens de Kazuto Nakazawa (El Hazard, Samurai Champloo) não só é muito expressivo mas, também, extremamente variado. Cada personagem, mesmo sendo apenas secundário, possui traços bem individualizados. Só é uma pena que, em alguns momentos, a qualidade do traço caia bastante. No episódio 3 em especial, há momentos em que o "chara" muda tanto que os personagens nem parecem mais os mesmos do início da série.
A trilha sonora, mais uma vez a cargo da fantástica Yoko Kanno (Cowboy Bebop, GITS-SAC), é um caso interessante. Sou fã de trilhas sonoras, e geralmente é uma das coisas que mais me chamam a atenção numa obra audiovisual. Mas em "Terror in Resonance", a trilha sonora é extremamente discreta, servindo como pano de fundo bem suave para as cenas. Aparentemente, Yoko Kanno se inspirou na banda islandesa de pós-rock Sigur Rós, cujo som busca mais a criação de sonoridades incomuns usando instrumentos típicos do rock. E verdade seja dita, a trilha funciona muito bem, sem ser invasiva mas dando o tom adequado ao que acontece na tela.
Além dos personagens principais já citados, temos ainda Mukasa, um arquivista rechonchudo e divertido que, acreditem se quiser, não aparece apenas como alívio cômico. Shibazaki tem um afeto e respeito sinceros por ele, e sempre aparece de surpresa na seção de arquivos, para ver se a memória prodigiosa de Mukasa pode lhe dar alguma dica para avançar no caso. Temos ainda Five, uma garota de olhos violetas que trabalha para o governo dos EUA e entra em cena quando o governo norte-americano resolve intervir no caso, temendo que o plutônio roubado possa ser usado em algum artefato nuclear. Five é como uma versão feminina de Nine, extremamente inteligente e calculista, mas com um quê de arrogância e desprezo pela vida alheia - definitivamente uma adversária à altura dos "Sphinx".
O embate entre os "Sphinx" e Shibazaki gira em torno do mito grego de Édipo Rei, que matou o rei Laio da cidade de Tebas sem saber que ele era seu pai, conseguiu resolver os enigmas da Esfinge que atacava a cidade e acabou se casando com Jocasta, viúva do antigo rei, sem saber que ela era sua mãe. Como o nome deixa bem claro, os "Sphinx" obviamente representam a Esfinge com seus enigmas, enquanto Shibazaki representa a figura de Édipo ao solucionar estes enigmas.
Muito do que acontece em "Terror in Resonance" está ligado a extremos. Nine e Twelve, por exemplo, são praticamente como Yin/Yang em relação ao comportamento mas, apesar disto, possuem um relacionamento muito legal de respeito e confiança totais. A questão do frio e do calor, tanto em relação à temperatura quanto ao afeto, também está muito presente. Nine e Twelve viveram numa instituição nas quais as crianças não tinham nomes, eram chamadas apenas por números, para não despertar nelas qualquer ideia ligada ao amor. Lisa foi abandonada pelo pai e é sufocada emocionalmente pela mãe, totalmente paranoica com a ideia de que a filha também possa abandoná-la. Shibazaki nasceu em Hiroshima, é um "hibakunisha", da 2ª geração dos filhos da bomba atômica, e adorava a companhia da avó quando criança, mas odiava o calor pois, com isto, os idosos sumiam das ruas e ele não podia mais desfrutar do afeto dela.
É interessante também avaliar a questão das cores em "Terror in Resonance". Se pegarmos as cores dos olhos dos personagens principais, por exemplo, veremos que tanto Nine quanto Shibazaki possuem olhos acinzentados tendendo ao preto. Enquanto o cinza está ligado à maturidade, sentimentos sombrios e à sensação de vazio, o preto representa a objetividade e remete ao luto e ao mistério. Twelve possui olhos castanho-claros, e apesar do marrom estar ligado a sensações desagradáveis, à preguiça e à decomposição, também é considerada a cor da segurança e do aconchego. Five possui olhos violetas, cor considerada rara e associada ao poder, à vaidade, à magia e à sexualidade pecaminosa.
Ainda em relação a este assunto, vale lembrar que Twelve tem sinestesia e vê cores nos sons. Em determinado momento, ele diz a Nine que a voz de Lisa é amarela, e que é raro ver um tom de voz com esta cor. O amarelo é a cor da alegria, do otimismo e, também, da falta de discernimento. Talvez isto explique o motivo de uma pessoa tão desastrada e com personalidade tão apagada quanto Lisa despertar alguma coisa em alguém tão fora de série quanto Twelve, que pode ter visto nela o potencial para se transformar em alguém especial e capaz de fazer do mundo um lugar melhor.
(Para mais detalhes sobre psicologia das cores: https://chiefofdesign.com.br/psicologia-das-cores/)
Tanto o roubo do plutônio quanto o passado das "crianças sem nome" estão diretamente ligados a um assunto abordado em "Terror in Resonance" que ganha cada vez mais força dentro do Japão: a insatisfação de grande parte da população e dos poderosos com a submissão e dependência do país em relação aos EUA após a rendição aos Aliados no final da 2ª Guerra Mundial. Muitos anseiam pela volta aos tempos de glória do passado, quando o Japão era uma potência militar temida por todos. Quando a personagem Five entra na história, representando os EUA que, teoricamente, vieram para "ajudar", esta dinâmica desbalanceada entre os dois países fica bem clara. Como a superpotência que é, os EUA mandam e desmandam, e estão se lixando para quaisquer danos e perdas humanas causados por suas ações, desde que consigam atingir seus objetivos. Não deixa de ser interessante comparar esta postura com as de Nine e Twelve que, apesar de terroristas, tomam todo o cuidado para causar muitos danos materiais em seus atentados, mas sem gerar nenhuma morte.
Ainda que seja uma série excepcional, "Terror in Resonance" possui alguns problemas. Como foi dito anteriormente, a capacidade quase sobrehumana de Nine e Twelve de realizarem coisas complexas e perigosas, ainda mais sendo tão jovens, destoa um pouco do realismo presente em toda a série. E a coisa fica ainda pior em relação a Five, que parece um computador humano ambulante e onisciente, observando mil coisas ao mesmo tempo e não perdendo um único detalhe de nada. E para quem dizia o tempo todo que não queria apenas derrotar Nine mas, sim, humilhá-lo, Five revela em seu ato final uma motivação pífia e implausível para tudo o que havia feito até então. A série ainda cai na armadilha de retratar toda a polícia quase como um bando de idiotas, em especial no início da trama, de modo a destacar ainda mais a honestidade e a capacidade também exagerada de Shibazaki em solucionar os enigmas dos "Sphinx". E o que dizer da partida de xadrez dentro do aeroporto? A ideia talvez tenha parecido brilhante no papel mas, sinceramente, eu não conseguia parar de pensar no quanto tudo aquilo era ridículo.
Mas são problemas menores em relação ao conjunto da obra. Com um episódio final tenso e extremamente corajoso, que fecha a história com brilhantismo, "Terror in Resonance" é mais uma obra de alto nível de Shinichiro Watanabe, ainda com um currículo irretocável. Que continue assim por muito tempo.