sábado, março 11, 2017

Japan, Our Homeland (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 11/03/2017

Alternativos: Furusato Japan
Ano: 2007
Diretor: Akio Nishizawa
Estúdio: WAO! Corporation
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 96 min
Gênero: Drama



Não sei quanto a vocês, mas é sempre um momento especial quando, do nada, encontro por acaso algum artista, estúdio, videogame... sei lá, qualquer coisa de qualidade que, por algum motivo, fica escondido num cantinho, como se esperasse que alguém mais curioso ou enxerido cavucasse ali por perto para encontrá-lo (momento drama "off").

Enfim, todo este papo furado foi para explicar um pouco a satisfação que tive ao resenhar "Nitaboh" há alguns anos. Primeiro, pela chance de conhecer o WAO! World Corporation, um estúdio de animação voltado para a criação de obras de entretenimento, mas com um caráter educativo forte. Segundo, porque isto também me deu a chance de conhecer o trabalho de Akio Nishizawa, presidente do estúdio e que também roteiriza e dirige as obras do WAO. Ainda que seu trabalho em "Nitaboh" tivesse algumas arestas a serem aparadas (cortes estranhos, transições bruscas, etc.), era possível perceber sua sensibilidade para contar uma história mais séria, adulta, sem descambar pra narrativa maçante ou piegas.

Desde então, procuro ficar antenado nas novas obras do WAO. Por ser um estúdio pequeno, o WAO não lança produções próprias com muita frequência, atuando na maior parte do tempo como mão-de-obra terceirizada em animações de estúdios maiores como o AIC, Studio 4°C, Production IG e Bones. Por isto, a expectativa era grande para o 2º longa-metragem do estúdio, "Japan, Our Homeland".

1956, ano 31 da Era Showa. 10 anos após a II Guerra Mundial, o Japão não é mais um país arrasado pela guerra. Em 1951, o Japão deu seu 1º passo para sair da pobreza pós-guerra. As vidas dos japoneses estava mudando rapidamente com a tecnologia inovadora. Aparelhos de TV começam a surgir nas lojas, tornando-se uma verdadeira atração pra população. A história se passa em Tóquio, mais especificamente em Kiba, subúrbio da cidade, no momento de uma transição econômica. O país já conta com uma boa estrutura, mas ainda sem muita riqueza.

Akira Yanagizawa é um aluno exemplar da Escola Elementar Kiba. Estudioso, ótimo corredor e representante de sua turma no colégio, Akira está num momento agitado na escola. Primeiro, com a chegada de Rieko Sakamoto, sua nova professora. Formada em Música, Rieko poderia ser cantora profissional, mas prefere educar alunos e treiná-los para competições de coral. E a agitação aumenta com a presença de uma nova aluna em sala, Shizu Miyanaga, que tem um sotaque engraçado da região de Kobe, toca piano, canta muito bem e ainda é ótima jogadora de beisebol. Akira e Shizu, ambos excelentes alunos, esportistas e muito inteligentes, nutrem uma admiração mútua, e um certo clima de paixonite vai surgindo aos poucos.

Akira possui uma família muito bem estruturada, descendente de uma linhagem de samurais, e que está prosperando mesmo em meio à recessão do pós-guerra. Seu pai, Genji, possui uma marcenaria e é extremamente talentoso e caprichoso no que faz, o que o torna um profissional muito requisitado. Mas justamente por este excesso de zelo, arca com mais compromissos que aguenta e costuma atrasar as entregas, o que não é nada bom numa cidade cheia de marcenarias brigando pelo mesmo mercado. A família de Akira ainda conta com sua mãe, Fukuko, sempre ocupada com as tarefas domésticas e a criação dos filhos; a irmã mais velha, Kazuko, estudando muito para o vestibular; e a irmã caçula, Reiko, um verdadeiro "docinho de côco".


Como em "Nitaboh", Akio Nishizawa opta por uma abordagem extremamente realista e pé-no-chão em "Japan, Our Homeland", talvez ainda mais realista nesta segunda obra, pois ela retrata o período e o local em que o próprio Nishizawa viveu. Mostra um momento do Japão em que as mulheres começam a buscar mais presença na sociedade e no mercado de trabalho. Um ano emblemático, no qual o Japão voltou a ser aceito na ONU e a ser respeitado pelos outros países. Há um desejo geral por um novo Japão, avançado, que defende a paz e os valores positivos.

Isto aparece também nos questionamentos em relação a como os jovens devem ser educados. Akira, por exemplo, quer continuar estudando numa escola local, mas os pais querem que ele vá para uma escola de nível nacional. Num momento de transição como este, os jovens não sabem se vale a pena continuar estudando para serem alguém na vida, ou se seria melhor ceder à vida fácil de pequenos roubos e satisfação instantânea. E isto é particularmente complicado na juventude, quando a influência dos amigos costuma ser maior que a da família. É necessário algum tipo de controle sobre os jovens, para que não desandem a fazer besteira, mas qual seria a melhor abordagem? Punir, ou conscientizar?

Isto é muito bem demonstrado através do personagem Gon, o melhor amigo de Akira. Gon é um grandão valentão, que rouba objetos da loja de uma senhora idosa, e incita os colegas a fazer o mesmo. Gon não é uma pessoa ruim, ajuda o seu pai na taverna, mas após perder a mãe na guerra, sente-se perdido na vida: ele quer fazer o bem, mas não sabe como.

Espero que isto não seja considerado um "spoiler", mas a ocorrência de um evento chocante afeta profundamente todos os alunos, fazendo com que os jovens desenvolvam um novo senso de responsabilidade e união. Este processo dá a oportunidade para que outro elemento importante nesta obra, a música, brilhe com força, mostrando a importância da educação musical na formação dos jovens. As competições de coral são de canções infantis tradicionais japonesas chamadas Doyo - músicas sentimentais, emocionantes, que exaltam os valores positivos do país, a natureza, o estilo de vida e a sensibilidade, ajudando a moldar o espírito da criança.

Akio Nishizawa demonstra uma evolução considerável como diretor e roteirista nesta obra. Se ainda há alguns problemas com cortes de cena estranhos, a narrativa é envolvente, sem escorregar para o caminho fácil da pieguice ou do ufanismo. A animação tradicional é simples e eficiente, não se comparando ao nível dos longas-metragens da Madhouse, por exemplo, estando mais ao nível do que vemos em séries de TV. Já o uso de CGI é bem decepcionante, dando uma impressão totalmente falsa e deslocada à animação. Mas é preciso elogiar muito a atenção dada à animação dos movimentos labiais e das mãos tocando piano durante os números musicais: um trabalho realmente fenomenal. Pena que o desenho de personagens seja genérico e meio apagadão, deixando quase todos em cena com "cara de paisagem".

E voltando à parte musical, além das ótimas canções típicas cantadas pelas crianças, há a belíssima trilha sonora instrumental e orquestral de Makoto Kuriya, com lindos temas baseados em cordas e que, assim como a narrativa, não descamba para o exagero ou a pieguice em nenhum momento. E para completar, "Utau Hito", tema de encerramento com bela letra e melodia, composto e cantado pela fenomenal KOKIA, cantora cuja voz maravilhosa parece vir de outra dimensão.



Vencedor de dois prêmios no 12th Festival du Film Asiatique de Lyon em 2006 ("Prêmio do Júri Jovem" e "Escolha do Público como Melhor Filme de Animação"), "Japan, Our Homeland" é mais uma ótima animação do WAO! World Corporation, indicada para quem procura uma obra mais realista, adulta e que não apela para emoções fáceis ou clichês.


Marcelo Reis


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