quinta-feira, novembro 24, 2016

ERASED (TV)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/11/2016

Alternativos: Boku Dake ga Inai Machi
Ano: 2016
Diretor: Tomohiko Ito
Estúdio: A-1 Pictures
País: Japão
Episódios: 12
Duração: 23 min
Gênero: Drama / Mistério / Psicológico



"ERASED" foi uma das séries mais comentadas da temporada de inverno 2016, e por se tratar de um anime exibido no bloco "noitaminA" da Fuji TV, havia grandes possibilidades de todo este "hype" ser justificado. Baseada no mangá "Boku Dake ga Inai Machi", de Kei Sanbe, cujo nome em tradução livre seria algo como "A Cidade Apenas Sem Mim", "ERASED" é uma das séries mais angustiantes que me lembro de ter assistido. Poderia ter sido uma obra-prima, mas vários detalhes impedem que isto aconteça.

Satoru Fujinuma é um "mangaka" que luta para obter sucesso. Com 29 anos e precisando pagar as contas, trabalha também como entregador de pizzas. Caladão, como se quisesse bloquear emoções enterradas profundamente em sua psique - em suas próprias palavras, "tem medo de chegar ao coração da própria mente - Satoru possui uma habilidade especial chamada "Revival". O rapaz vê uma borboleta azul quando algo ruim está prestes a acontecer e, neste momento, ele é capaz de voltar entre 1min e 5min no passado. Neste intervalo, ele pode reviver a mesma situação, tentar descobrir o que está errado e intervir, evitando que alguma tragédia aconteça. E nessa brincadeira, muitas vezes ele acaba se dando mal e se arrebentando por completo.

Após um destes "contratempos" mandá-lo ao hospital, Satoru recebe a visita da mãe, Sachiko, uma mulher de 52 anos que parece não envelhecer e é chamada pelo filho de "yôkai" (demônio), devido à sua capacidade quase sobrenatural de ler a sua mente. Sachiko chega para ajudar Satoru enquanto ele se recupera, e fica feliz ao saber que Airi Katagiri, a jovem colega de trabalho do filho, parece nutrir uma afeição pelo rapaz.

As coisas parecem ir bem, mas algo terrível acontece, e em meio a uma onda de estresse quase incontrolável, Satoru passa por um episódio de "Revival" diferente de todos os outros, que o manda 18 anos em direção ao passado. Por que Satoru voltou àquele período? E o que o rapto e assassinato de três garotas de 11 anos por um "serial killer" no passado teria a ver com a tragédia de seu presente? E será que Satoru, agora um garoto de 11 anos com alma de adulto, seria capaz de alterar o passado, para que todas estas tragédias ao seu redor nunca aconteçam?

Eu poderia falar um pouco mais sobre o enredo de "ERASED", mas qualquer coisa que eu dissesse a mais poderia gerar um tremendo "spoiler", o que seria um crime com esta série excepcional. Apesar de ter este elemento fantástico do "Revival" e da viagem no tempo, "ERASED" é um anime bem embasado na realidade. O desenho de personagens, expressivo e bem diferenciado, tende a um estilo mais comum a obras infantis, o que gera um contraste chocante com as situações fortíssimas exibidas em cena. Há assassinatos, agressões brutais de adultos contra crianças, violência psicológica, mas nada disto acontece por acaso, tudo tem uma razão plausível para ser assim.


O roteiro de Taku Kishimoto (Silver Spoon) consegue um equilíbrio quase perfeito entre as cenas leves e pesadas. Há algumas tiradinhas bem-humoradas, como o fato de Satoru "pensar em voz alta" e se colocar em apuros por isto, que funcionam muito bem e não parecem deslocadas numa obra tão pesada e pungente. E as cenas mais duras não apelam para o "gore" nem nada do tipo: as coisas são mais sugestionadas do que mostradas, e isto muitas vezes gera um efeito mais forte do que a violência explícita. Ainda em relação à narrativa, é desesperador ver a situação de Satoru, percebendo que quanto mais variáveis ele altera no passado, mais imprevisível se torna o futuro, dificultando ainda mais as probabilidades de sucesso de sua empreitada.

Os personagens são um show à parte. Desde o protagonista Satoru, com seu jeito meio atrapalhado, mas determinado, passando por sua mãe Sachiko, com inteligência aguçada e sempre um passo à frente do filho, e chegando à sua turma de colegas de escola, cada um possui uma personalidade bem delineada e que não cai nos estereótipos tão comuns em animes. Merecem destaque Kenya, colega inteligentíssimo de Satoru cujo olhar demonstra o quando ele está ligado em tudo o que acontece com o amigo; e Kayo Hinazuki, garota cujo assassinato no passado marcou para sempre a vida de Satoru, e que tem o arco dramático mais pungente de todos. Até mesmo o vilão da história, um verdadeiro psicopata, tem razões convincentes para que aja de tal maneira, especialmente nos episódios finais da série.

Uma curiosidade: as cenas que se passam no presente estão numa proporção visual de 16:9, enquanto as cenas do passado estão num widescreen maior, de 2.35:1, dando um aspecto mais cinematográfico às mesmas.

Se "ERASED" mantivesse o clima e a narrativa dos quatro ou cinco episódios iniciais, seria forte candidata a entrar na minha lista de favoritos. Poucas vezes vi algo tão verdadeiramente melancólico e angustiante, em que cada situação aparentemente tranquilizadora dá lugar a outra desesperadora, tudo isto em uma ambientação muito convincente. O problema da metade em diante é que a trama policial envolvendo a busca pelo assassino é comum demais, e certas situações que acontecem entre Satoru e os colegas são muito bobinhas e pueris em relação ao que vinha acontecendo - sinceramente, o tal lance do "quero ser um superherói" é absolutamente podre, e os amigos acreditam na história de Satoru com uma facilidade que não convence. Os três últimos episódios me pareceram especialmente corridos, como se precisassem espremer muita história no tempo restante, e a revelação de quem é o criminoso é bem previsível. E não há explicação nenhuma sobre o tal do "Revival": o que é aquilo? Por que acontece com Satoru? Por que ele foi capaz de voltar tanto tempo em direção ao passado?

Por outro lado, o final propriamente dito é excepcional. As coisas começam a ficar interessantes com uma reviravolta que acontece em certo ponto da série, e o desenrolar dos fatos no último episódio gera situações de muita tensão psicológica, desencadeando num desfecho extremamente satisfatório do ponto de vista emocional.



"ERASED" merece a badalação que recebeu, mas talvez com um pouco menos de entusiasmo. Pode não ter sido a obra-prima que prometia, mas mesmo com probleminhas menores aqui e ali, é uma série sólida, coesa e que pega o espectador de jeito desde o 1º minuto. Recomendo fortemente.


Marcelo Reis


6 comentários:

  1. Assisti recentemente e gostei muito pelo peso psicológico que o anime traz, além da personalidade dos personagens e suas relações dramáticas. Mas confesso que senti falta de originalidade no processo de viagem no tempo (além de parecer forçada e conveniente demais). É um tema já bem recorrente, como visto em Efeito Borboleta, Steins;Gate, Life is Strange (aqui, até a borboletinha aparece também). Da mesma forma, a explicação sobre o porquê desse tipo de poder é ausente, servindo mais como pretexto pra criar enredos extremamente dramáticos.

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    1. Bom te ver por aqui, hombre!

      Assino embaixo no que você diz sobre as partes positivas e a falta de explicação sobre o poder em si, mas em relação à viagem no tempo, apesar de ser um tema batido, sem ele a obra provavelmente nem existiria, já que é algo fundamental na história - neste caso, ou a gente embarca no mundo e na ambientação criada, ou o enredo não dá cola.

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  2. Eu gostei bastante de como a história cresce e no seu final chega em um ápice de forma a arrancar suspiros do espectador,suspiros esses de tensão, claro.
    Sobre a historia de herói ser facilmente engolida pelos amigos do protagonista, acredito que isso aconteça porque todos ali são crianças, mesmo que demonstrem ter uma maturidade maior em diversas cenas, não deixam de aceitar as coisas de forma mais simples.

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    1. Acho que você pegou no ponto: o fato de demonstrarem uma maturidade grande demais para a idade é que deixa meio estranha a aceitação tão imediata da história do herói.

      Grande abraço, e obrigado pelo comentário!

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  3. Grande Marcelo, ótima resenha. Esse anime mexeu comigo de uma forma que há tempo não acontecia. Toda a construção inicial dos personagens, o peso, a melancolia e até mesmo a nostalgia que dá ao ver a reação do Satoru ao voltar ao passado e reviver momentos com sua mãe, os amigos, tudo isso foi muito marcante. Infelizmente o anime ficou muito corrido com apenas 12 episódios. O final do mangá é bem mais completo e apresenta o desfecho de uma forma bem diferente. Também acho que há muito foco na relação do Satoru com a Kayo, sugerindo até mesmo um principio de romance, quando o propósito da historia não era esse.

    De qualquer forma esse anime vai ficar marcado, mesmo não chegando a atingir todo seu potencial.

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    1. Valeu pelo comentário, e fico feliz que tenha gostado da resenha. Eu não cheguei a ler o mangá, e pelo seus comentários, se eu o tivesse lido, talvez eu pudesse até me decepcionar um pouco mais com o anime.

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