segunda-feira, novembro 21, 2016

Curtas sobre Curtas #04


OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 21/11/2016

E eis que ressurge das cinzas a seção "Curtas sobre Curtas"! Apesar de continuar fã de animes e adorar resenhar séries, OVAs e longa-metragens da "Terra do Sol Nascente", me sinto um pouco em dívida com várias obras sensacionais lançadas ao redor do mundo todo. E o mundo dos curtas é perfeito para, de certo modo, "pagar" esta dívida: afinal, curtas-metragens, quer sejam de animação ou "live-action", estão longe de receber a mesma atenção que os longas da Pixar ou do Studio Ghibli, por exemplo.

E com tantas obras incríveis que merecem um reconhecimento maior, continuaremos usando esta seção para atiçar a curiosidade dos leitores e, quem sabe, despertar de vez a paixão pelos curtas de animação.

Hoje temos dois curtas clássicos da China, produzidos no início da década de 80.



THREE MONKS

Este premiado curta de animação do Shanghai Animation Film Studio (Urso de Prata para Curta-Metragem no 32º Festival de Berlim (1982); Melhor Animação no Golden Rooster Awards 1981; Melhor Animação no Huabiao Awards 1980) é baseado num antigo provérbio chinês:

"Um monge carregará dois baldes de água nos ombros, dois monges dividirão a carga, mas coloque um terceiro e ninguém vai querer buscar água."

Nesta obra de traços simples, cenários quase inexistentes, mas personagens expressivos e animação fluida, conhecemos um monge que vive num templo, no alto de uma montanha. Com seu indefectível robe vermelho, ele mantém a mesma rotina dia após dia: confere a água do vaso no altar do templo, desce toda a montanha para buscar dois baldes de água no rio, enche o barril com água para o dia, troca a água do vaso, e medita em frente ao altar até a hora de dormir.

A chegada de um 2º monge ao templo altera um pouco o dia-a-dia do templo. Magro, alto e com um robe azul, este 2º monge divide a carga do trabalho com o 1º monge, ambos tentando manter a rotina do templo intacta, ainda que um ou outro contratempo afete um pouco o andamento das coisas. Mas exceto por um ratinho que teima em aparecer para bagunçar o ambiente, no geral tudo continua fluindo bem.

Mas com a chegada de um 3º monge, baixo, gordo, com roupa alaranjada e que sua horrores debaixo do sol, as coisas tomam um rumo completamente diferente. Apesar de ter uma boa índole, este monge é bem glutão, não trabalha com a intensidade que seria recomendável. A busca da água no rio começa a ser motivo de discussões, a desarmonia e a desordem passam a imperar no templo, assim como a preguiça, a falta de disciplina e o desinteresse. Quanto ao futuro do templo? Só o tempo dirá...

Por se tratar de uma animação sem diálogos, "Three Monks" pode ser assistido sem problemas por pessoas de todos os lugares. Por esta razão, a excelente trilha sonora tipicamente chinesa tem papel fundamental, pois grande parte da emoção e da tensão é passada através dos sons, especialmente porque cada monge é representado por um instrumento específico. É um ótimo exemplo de utlização da música literalmente como uma linguagem universal.

Funcionando como uma sátira à burocracia do sistema, especialmente à ineficiência dos funcionários de repartições públicas, "Three Monks" mostra, de forma simples e eficaz, a importância de um trabalho em equipe eficiente para manter as coisas funcionando de acordo. E foi lançada num momento importante na China, o renascimento da animação chinesa, após o término do terrível período da Revolução Cultural.

PS: Há uma pequena cena após os créditos finais.



MONKEY FISHES THE MOON

Mostrando mais uma vez a versatilidade do Shanghai Animation Film Studio ao criar animações com as mais variadas técnicas, "Monkey Fishes the Moon" é praticamente todo realizado com animação de recortes, exceto em uma ou outra parte, em que a animação tradicional também é utilizada.

Um grupo de macacos vive numa floresta, sempre se divertindo, pegando frutas nas árvores, roubando comida uns dos outros... em outras palavras, fazendo "macaquices" sem parar. Certo dia, um dos macacos repara na bela lua cheia que surge entre as montanhas, e outro macaco acha que seria o máximo pegar aquele objeto redondo e reluzente. O grupo, então, abusa da curiosidade, criatividade e força de vontade para superar dificuldades e realizar o impossível.

Um detalhe que chama a atenção de cara é a trilha sonora: ao contrário da maioria das animações chineses produzidas antigamente, que utilizavam como fundo musical trilhas sonoras tipicamente chinesas, "Monkey Fishes the Moon" tem uma trilha com um climão de filmes americanos das décadas de 40 e 50, com uma forte presença de saxofone. E assim como "Three Monks", "Monkey Fishes the Moon" não contém diálogos, e a música tem efeito fundamental para complementar as emoções retratadas na tela.

Em termos visuais, esta obra é simplesmente primorosa. Os personagens são incrivelmente expressivos, a animação é super fluida e dinâmica, há uma atenção brutal aos detalhes dos movimentos corporais, sem contar o cuidado assombroso no uso de luz, sombras e cores. Mesmo se a narrativa em si não empolgasse, valeria a pena assistir a "Monkey Fishes the Moon" apenas para admirar a excelência técnica da obra.

Felizmente, o enredo é cativante, e a narrativa possui um ótimo ritmo, gerando uma tensão surpreendente para uma animação tão curta e teoricamente voltada mais para o público infantil. Sem passar a impressão de querer dar algum tipo de sermão, a obra mostra a importância do trabalho em conjunto, buscando o bem da sociedade como um todo. Quando o individualismo começa a imperar, com cada um pensando apenas no próprio bem-estar e querendo a todo custo uma posição de destaque no grupo, as coisas podem desandar de vez.

Mesmo com apenas 10 minutos, "Monkey Fishes the Moon" pode ser considerado uma das melhores animações do Shanghai Animation Film Studio, o que, convenhamos, não é pouca coisa.


Marcelo Reis


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