sábado, novembro 12, 2016

Cleopatra (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 12/11/2016

Alternativos: Kureopatora
Ano: 1970
Diretor: Osamu Tezuka, Eiichi Yamamoto
Estúdio: Mushi Production
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 112 min
Gênero: Comédia / Erótico



E até difícil saber por onde começar a falar de um anime como "Cleopatra", 2º longa-metragem da série de filmes adultos "Animerama", idealizada por Osamu Tezuka e produzida por seu estúdio à época, Mushi Production. "Cleopatra" foi co-dirigido pelo próprio Tezuka e, ainda, por Eiichi Yamamoto, diretor de "Jungle Emperor Leo".

No papel, "Cleopatra" parecia um projeto promissor. Afinal, o que o gênio de Tezuka poderia fazer com a incrível história da rainha egípcia que conquistou os corações de Júlio César e Marco Antônio, evitando que o Egito fosse completamente subjugado e humilhado à época do Império Romano, especialmente sabendo que adicionaria pitadas nada sutis de erotismo a este enredo? Infelizmente, na prática, o mestre Tezuka errou feio a receita do bolo, e "decepcionante" é uma palavra fraca para descrever o resultado final.

"Cleopatra" começa numa cidade futurista, e em uma cena bizarra com atores reais cujas cabeças foram substituídas por desenhos, somos informados que habitantes de um sistema estelar chamado Pasateli odeiam os terráqueos, e seu mantra é: "Plano de Cleópatra". Para descobrir o que isto significa, três pessoas deste grupo serão enviados ao passado, mais especificamente ao Egito Antigo, à época em que Cleópatra reinava. Como é apenas o espírito que viaja no tempo, e não o corpo, as almas destas três pessoas entrarão em corpos de seres que viviam naquela época. Jiro voltará como Ionius, um escravo de César; Mary voltará como Lybia, uma princesa egípcia; e Harvey voltara como Rupa, "alguém" muito próximo a Cleópatra.

A partir daí, somos enviados a um Egito num momento turbulento, em meio à invasão dos romanos, com direito a mortes violentas, pilhagens, estupros e tudo o mais. E aqui já vemos de cara talvez o maior problema desta obra: a incapacidade de encontrar um tom adequado à narrativa. Como podemos nos importar com o que acontece, se logo após um estupro aparecem várias cenas engraçadinhas, com um humor que definitivamente não combina em nada com o que passou antes?

Um Júlio César esverdeado, prepotente e que se acha "o tal" conquista o país, e os egípcios, sabendo que o imperador romano é louco por sexo, arquitetam um plano para enfraquecê-lo usando a sedução feminina... e Cléopatra entra em cena. Por sugestão de sua serva Apollodoria, Cleópatra, irmã do rei Ptolomeu XIII, tentará subjugar César através do sexo e da astúcia. Por ser uma mulher feia e pouco atraente, Cleópatra passará por um ritual mágico piradíssimo, para que se transforme numa deusa da beleza e do sexo.

Antes de começar a descer a lenha no anime - e, infelizmente, não me resta outra alternativa - vamos aos pontos positivos de "Cleópatra". Para começar, é uma obra de excelente qualidade técnica, com cenários bem detalhados, animação fluida, desenho de personagens expressivos, além de muita criatividade no uso de cores psicodélicas em várias cenas. Apesar de não serem explícitas, as cenas de sexo em "Cleópatra" são criativas e interessantes, em especial uma que se passa numa sala de banho (mas claro que pinta o humor fora de hora pra estragar tudo). Há uma outra cena excepcional mostrando o assassinato de Júlio César, feita como se fosse uma peça de teatro Noh: tudo funciona perfeitamente do início ao fim.


Mas os problemas... ah, os problemas! Pra começar, "Cleopatra" é uma obra muito sexista: praticamente todas as mulheres em cena aparecem nuas ou com os seios à mostra, e parecem ser sempre lascivas e mundanas, como se existissem apenas para transar. Em determinada cena, Júlio César arranca uma garota dos braços do pai, imediatamente apalpa os seus seios em público, rapta a garota para ser sua escrava sexual. Ao chegar ao palácio, dá um beijinho na bochecha da garota, e ela... se comove! E isto sem contar um outro momento no anime em que o "fantástico" plano de defesa contra os romanos consiste em que todas as mulheres transem com o máximo possível de invasores, para que eles fiquem fracos e se tornem presas fáceis. Sério, se eu fosse mulher, eu ficaria p... da vida em ser retratada desta maneira num anime.

Na vida real, Cleópatra era considerada uma mulher inteligente, estudiosa, excelente estrategista militar, falava vários idiomas e adorava Filosofia e História. Neste anime, ela é reduzida a uma gostosa bobalhona que se apaixona com facilidade e se deixa levar pela opinião de Apollodoria. E o que dizer do fato de todas as egípcias em cena possuírem a pele bem morena, mas justamente a rainha toda-poderosa ser branca como a neve? Júlio César é um sedento por sexo que vira um bebezão ao voltar a Roma, e Marco Antônio é retratado como um completo idiota que só falta babar em cena.

Mas os problemas vão longe. "Cleopatra" não se define como paródia, como uma obra séria, sequer como obra pornográfica. O cérebro entra em parafuso quando, na mesma cena de batalha, aparece alguém morto com crueldade, o braço arrancado ao lado, e logo depois vem uma cena engraçadinha com um soldado sentado num vaso sanitário, cagando de medo. Quando isto acontece por várias vezes na mesma obra, é sinal de que algo muito errado aconteceu no roteiro.

Por sinal, o humor em "Cleopatra" é geralmente fraco e aparece nas horas mais impróprias. Há tanta loucura fora de propósito nas cenas que, sinceramente, quem aprovou um roteiro destes só podia estar doido ou sob efeito pesado de alguma droga. Aparece o Frankenstein, um cara com microfone e fone de ouvido em pleno Egito Antigo, uma geladeira dentro do templo, personagens de Tezuka como Shunsaku Ban e Astroboy surgem em cena rapidamente... e pra quê? Só para parecer algo espertinho?

Pra não dizer que sou um chato: "Cleopatra" foi um fracasso retumbante de público e crítica em todo o mundo, e a decepção do próprio Tezuka com o resultado foi tão grande que "Belladonna of Sadness", 3ª e última obra da série "Animerama", foi dirigida apenas por Eiichi Yamamoto.




Acreditem: apesar de tudo isto que falei, ainda acho que "Cleopatra" é uma obra que mereça ser vista. Primeiro, porque possui alguns momentos iluminados, e é sempre um prazer ver uma animação de Tezuka feita com um orçamento maior. E segundo, para que possam imaginar o quanto este anime poderia ter sido excepcional com um roteiro melhor e uma direção mais firme.


Marcelo Reis


4 comentários:

  1. Claro que esse não é lá uma das maiores obras do Tezuka, mas eu até que gostei, e foi muito legal traduzir!! ^_^
    Como você mesmo disse: "...é uma obra que mereça ser vista."

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    1. Fala, Malkav! Bom te ver por aqui.

      O que dá pena neste anime é que ele poderia ter sido excelente - bastava o Tezuka tem um pouco mais de foco e organizar melhor as idéias.

      Ainda quero resenhar os outros dois filmes da série "Animerama": "Senya Ichiya Monogatari" e "Kanashimi no Belladonna".

      Por sinal, vou adicionar um link pro seu site: falha minha. :)

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    2. E aí, Martcelo, me diz uma coisa, você assisti em japonês, ou legendas em inglês ou em português? Sempre tive essa certa curiosidade! XDD
      Valeu pelo link do meu site, ainda estou refazendo ele, então ainda não coloquei links relacionado, tenho que providenciar isso com uma certa urgência! :P

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  2. Um anime que começa como um Live Action com animação sobreposta já é uma coisa estranha.Adicione viagem espacial e viagem no tempo, além do erotismo quase constante e o humor desequilibrado.Tezuka viajou bastante.Há quem defina isso como vanguardismo excessivo, rs.

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