sexta-feira, outubro 24, 2014

Redline (Movie)

OBS: Resenha publicada originalmente no Animehaus em 24/10/2014

Ano: 2009
Diretor: Takeshi Koike
Estúdio: Madhouse
País: Japão
Episódios: 1
Duração: 101 min
Gênero: Corrida / Sci-Fi / Ação


Uma coisa é inegável em relação às obras de Takeshi Koike: elas possuem um estilo visual único. Tanto "Trava" quanto "World Record" (este último faz parte de "Animatrix") apresentam características típicas dos animes de Koike: cores berrantes e contrastantes, traços estilizados e distorcidos, tomadas de câmera incomuns para aumentar a sensação de estranheza, e uma animação de cair o queixo. "Redline", longa-metagem de 2009, eleva estas caracteríticas "koikeanas" à enésima potência.

Num futuro distante, no qual os tradicionais carros com rodas foram substituídos por veículos com motores antigravitacionais, apenas alguns "doidos varridos" continuam a correr à moda antiga. Os pilotos são verdadeiras celebridades, e muito dinheiro circula neste meio, inclusive com a participação de um certo "sindicato" que manipula os resultados para faturar alto com apostas.

Entre todas as corridas, Redline é de longe a mais famosa e mortal. Ela acontece apenas a cada 5 anos, num local-surpresa revelado poucos dias antes da largada. Redline é o objetivo máximo de todos os pilotos, que fazem de tudo para conseguir uma vaga entre os oito carros participantes. Nesta corrida, qualquer coisa vale: não importa o que aconteça, quem cruzar a linha de chegada em primeiro, vence.

JP, um cara boa-pinta e com um topete monumental, é também chamado de "Adorável JP", pois faz questão absoluta de correr jogando limpo, sem utilizar bombas ou algo do tipo. Com seu carro amarelo super turbinado e modificado, que lembra um Ford Mustang da década de 70 usado nas corridas da Trans-Am Series, JP possui o rabo preso com o tal "sindicato", já que seu mecânico Frisbee está ligado ao esquema de apostas: por esta razão, ele não pode vencer corridas... e o sonho de participar da Redline parece cada vez mais distante.

Mas a escolha de Roboworld como sede da próxima Redline, um planeta abertamente hostil ao universo das corridas, pode mudar todo este cenário. Roboworld alega ser uma sociedade pura que repudia a sujeira ligada às corridas, mas seu motivo real para esta hostilidade é outro: proteger suas instalações militares secretas das câmeras onipresentes que acompanham os veículos em suas loucuras.

Se eu pudesse resumir "Redline" em duas palavras, elas seriam: totalmente possesso. ^_^   É um anime que não perde o ritmo nem mesmo em seus momentos mais calmos, e que é alucinante em praticamente 90% do tempo, desde o primeiro minuto. De cara chamam a atenção o traço detalhadíssimo, as cores psicodélicas, os ângulos de filmagem movidos a LSD e a animação tão fluida que dá vontade de chorar. É nestas horas que vemos como uma animação tradicional de qualidade tem o seu lugar. Na resenha de "Redline" no site THEM Anime, o autor comenta sobre os extras do DVD, onde é revelado que a produção da obra durou 7 anos, e foram utilizadas mais de 100 mil células desenhadas a mão. Não há absolutamente nada de CGI ao longo de toda a animação, o que é simplesmente inacreditável.


"Redline" conta com uma grande produção da Madhouse e toda a sua equipe, mas sua alma está basicamente ligada a duas pessoas. Uma delas, obviamente, é Takeshi Koike, que além de diretor, trabalhou como diretor de animação e foi um dos responsáveis pelo desenho de personagens, ao lado de Katsuhito Ishii, seu co-diretor em "Trava". E Ishii é a segunda peça-chave por trás de "Redline", pois criou o argumento da obra, foi um dos roteiristas e, ainda, seu diretor de som. Ufa! Vale lembrar que Katsuhito Ishii é um diretor de excelentes longas-metragens "live-action", como "Funky Forest" e "The Taste of Tea".

A diretora de arte Yuko Kobari (Texhnolyze) ajudou a criar um clima interessantíssimo em "Redline", pois toda a ambientação é uma mistura muito bem-feita de tecnologia em meio a paisagens típicas de um "western" americano. E o compositor James Shimoji compôs uma trilha sonora eclética, que vai da "dance music" ao clássico, passando pelo progressivo e outros estilos. Um belo trabalho que não tenta se sobrepor ao que está em cena mas, sim, trabalhar em harmonia com as imagens.

Não dá pra dizer que "Redline" tenha uma história incrível. É um típico anime de ação, com personagens que correm atrás de sonhos enquanto lutam com alguns fantasmas do passado. JP teve uma infância pobre, e acabou sendo inicialmente seduzido pelo glamour, fama e mulheres ligados ao mundo das corridas, até descobrir motivações muito mais sinceras para competir. Sonoshee McLaren, piloto linda e talentosa, sempre se interessou apenas por carros, nunca ligando muito para amigos ou namorados. Carrega um pingente no pescoço, presente do seu pai, que foi sua grande inspiração para ingressar nas corridas. E como deixar de mencionar Machine Head Tetsujin, capaz de literalmente se conectar a seu carro? Conhecido como "Sr. Redline", é o homem mais rápido da galáxia e vencedor da corrida por quatro vezes consecutivas. Há ainda o Coronel Volton, com sua sede doentia por poder e destruição; Frisbee, amigo e mecânico de JP há anos, mas com uma personalidade ambígua; e o hilário Little Deyzuna, que fica super forte quando chora. E temos ainda a participação toda especial de Trava e seu fiel escudeiro Shinkai - para maiores informações, leiam a resenha de "Trava". ^_~

Quanto aos dubladores, há alguns nomes famosos no elenco, como Tadanobu Asano (Frisbee), o Kakihara de "Ichi o Assassino"; Yuu Aoi (Sonoshee McLaren), dos ótimos "Hana & Alice" e "Hula Girls"; e Takuya Kimura (JP), dublador de Howl em "O Castelo Animado". Mas confesso que nenhuma dublagem me agradou mais que a de Kenta Miyake como o chorão Little Deyzuna. Tudo bem, sei que é exagerada e tudo o mais, mas era impossível segurar o riso a cada vez que o personagem aparecia, possesso e chorando como um louco, e "sentando a mão" em quem pintasse à sua frente.

Isto não significa que "Redline" seja apenas estilo com zero de substância. Roboworld tem características que nos remetem ao nazismo alemão (totalitarismo, militarismo, propaganda, refugiados), incluindo a insígnia que tem uma semelhança nada sutil com a suástica nazista. Há ainda uma crítica ao poder da mídia, disposta a colocar seus contratados em situações de risco extremo, tudo por alguns pontos de audiência. Mas é como entretenimento puro que "Redline" brilha. Misturando corridas, batalhas aéreas, comédia e até mesmo um pouco de "kaiju eiga", "Redline" é daqueles animes tão pirados e psicodélicos que ficamos a imaginar como conseguirão manter o ritmo durante 101 minutos sem perder o pique.



Com momentos antológicos como a apresentação dos pilotos e, especialmente, os 20 minutos finais, "Redline" é uma obra incrível que, verdade seja dita, talvez não agrade a todo mundo. Não por acaso, acabou sendo um tremendo fracasso comercial no Japão: com um custo de produção de US$26 milhões, arrecadou menos de US$9 milhões nos cinemas japoneses. Mas se até Marcelo Reis, o "Sr-gosto-apenas-de-animes-com-bons-personagens-e-roteiros-inteligentes", sorriu de orelha a orelha durante toda a duração de "Redline", talvez valha a pena conferir esta pequena pérola criada pelas mentes insanas de Takeshi Koike, Katsuhito Ishii e seus colegas da Madhouse.


Marcelo Reis


 

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